quinta-feira, 29 de março de 2012

Prática e perigos da mediunidade

 

 

Terceira Parte
Grandezas e misérias da mediunidade

XXII
Prática e perigos da mediunidade

Depois de haverem longo tempo negado a realidade dos fenômenos espíritas, numerosos contraditores, subjugados pela evidência, mudaram agora de tática e afirmam: Sim, o Espiritismo é verdadeiro, mas a sua prática é inçada de perigos.
Não se pode contestar que o Espiritismo ofereça perigos aos imprudentes que, sem estudos prévios, sem preparo, sem método nem proteção eficaz, se entregam às investigações ocultas. Fazendo da experimentação um passatempo, uma frívola diversão, atraem os elementos inferiores do mundo invisível, de cujas influências fatalmente padecem.
Esses perigos, entretanto, têm sido muito exagerados. Em todas as coisas há precauções a adotar. A Física, a Química e a Medicina exigem também prolongados estudos e o ignorante que pretendesse manipular substancia químicas, explosivos ou tóxicos, poria em risco a saúde e a própria vida. Não há uma só coisa, conforme o uso que dela fizermos, que não seja boa ou má. É sempre injusto salientar o lado mau das práticas espíritas, sem assinalar os benefícios que delas resultam e que sobrepujam consideravelmente os abusos e as decepções.
Nenhum progresso, nenhuma descoberta se efetua sem perigos. Se ninguém tivesse, desde a origem dos tempos, ousado aventurar-se no Oceano, porque a navegação é arriscada, que teria daí resultado? A Humanidade, fragmentada em diversas famílias, permaneceria insulada nos continentes e teria perdido todo o proveito que aufere das viagens e permutas. O mundo invisível é também um vasto e profundo oceano semeado de escolhos, mas repleto de vida e de riqueza. Por trás da cortina do além-túmulo se agitam multidões inúmeras que temos interesse em conhecer, porque são depositárias do segredo de nosso próprio futuro. Daí a necessidade de estudar, de explorar esse mundo invisível e ponderar-lhe as forças, os inexauríveis recursos que contém, recursos ao pé dos quais os da Terra parecerão um dia bem restritos.
Quando mesmo, ao demais, nos desinteressemos do mundo invisível, nem por isso ele se desinteressaria de nós. Sua ação sobre a Humanidade é constante. Estamos submetidos às suas influências e sugestões. Querer ignorá-lo é conservar-se inerme diante desse mundo, ao passo que por um estudo metódico aprendemos a atrair as forças benfazejas, os socorros, as boas influências que ele encerra; aprendemos a repelir as más influências, a reagir contra elas pela vontade e pela prece. Tudo depende do modo de emprego e da direção dada às nossas forças mentais. E quantos males há, cuja origem nos escapa, porque queremos ignorar essas coisas, males que poderiam ser evitados por um estudo aprofundado e consciencioso do mundo invisível!
Em sua maior parte, os neuróticos e os alucinados, tratados sem êxito pela medicina oficial, não são mais que obsessos, passíveis de ser curados pelas práticas espíritas e magnéticas.[i]
Deus colocou o homem no centro de um oceano de vida, de um reservatório inesgotável de forças e potência. E deu-lhe a inteligência, a razão, a consciência, para aprender a conhecer essas forças, a assenhorear-se delas e as utilizar. Por esse exercício constante é que a nós mesmos nos desenvolveremos e chegaremos a afirmar o nosso império sobre a Natureza, o domínio do pensamento sobre a matéria, o reino do Espírito sobre o mundo.
É esse o mais elevado objetivo a que possamos consagrar a nossa vida. Em vez de afastar dele o homem, ensinemos-lhe a caminhar ao seu encontro, sem hesitação. Estudemos, escrutemos o Universo em todos os seus aspectos, sob todas as suas formas.
Saber é o supremo bem, e todos os males provêm da ignorância.
*
As dificuldades da experimentação provêm de não possuírem os nossos contemporâneos, em geral, a mínima noção das leis psíquicas e serem, além disso, inaptos para as estudar com proveito, em virtude das disposições de espírito resultantes de péssima educação. Por sua presunção e preconceitos, como por seu escarninho cepticismo, afastam de si as influências favoráveis.
Em tais condições, pode acontecer que a experimentação espírita reserve numerosas ciladas, muito mais, entretanto, aos médiuns que aos observadores. O médium é um ser nervoso, sensível, impressionável; tem necessidade de sentir-se envolto numa atmosfera de calma, de paz e benevolência, que só a presença dos Espíritos adiantados pode criar. A prolongada ação fluídica dos Espíritos inferiores lhe pode ser funesta, arruinar-lhe a saúde, provocando os fenômenos de obsessão e possessão de que falamos. São numerosos esses casos. Allan Kardec os estudou e assinalou.[ii] Vários outros,[iii] depois dele, foram relatados por Eugênio Nus. Citaremos casos mais recentes. Alguns chegam até à loucura. Disso forjaram um argumento contra o Espiritismo. Tais desastres, contudo, resultam simplesmente da leviandade e falta de precaução dos experimentadores, e nada provam contra o princípio. Por toda parte, no Espiritismo, ao lado do mal se encontra o remédio.
É necessário – dizíamos – adotar precauções na prática da mediunidade. As vias de comunicação que o Espiritismo facilita entre o nosso e o mundo oculto podem servir de veículos de invasão às almas perversas que flutuam em nossa atmosfera, se lhes não soubermos opor a resistência vigilante e firme. Muitas almas sensíveis e delicadas, encarnadas na Terra, têm sofrido em conseqüência de seu comércio com esses Espíritos maléficos, cujos desejos, apetites e remorsos os atraem constantemente para perto de nós.
As almas elevadas sabem, mediante seus conselhos, preservar-nos dos abusos, dos perigos, e nos guiar pelo caminho da sabedoria; mas sua proteção será ineficaz se, por nossa parte, não fizermos esforços para nos melhorarmos. É destino do homem desenvolver suas forças, edificar ele próprio sua inteligência e sua consciência. É preciso que saibamos atingir um estado moral que nos ponha ao abrigo de toda agressão das individualidades inferiores. Sem isso, a presença de nossos Guias será impotente para nos salvaguardar. Ao contrário, a luz que em torno de nós projetam atrairá os Espíritos do abismo, como a lâmpada acesa na amplidão da noite atrai as falenas, os pássaros noturnos, todos os alados habitantes da treva.
Falamos das obsessões; eis aqui alguns exemplos:
O médium Filipe Randone, diz “La Mediunità”, de Roma,[iv] tem sido alvo das turbulências de um Espírito designado pelo nome de “uomo fui”, que se tem esforçado várias vezes para esmagá-lo, durante a noite, sob uma pilha de móveis, que se diverte em transportar-lhe para o leito. Em plena sessão, ele se apodera violentamente de Randone e o atira ao chão, com risco de o matar. Até agora não foi possível desembaraçar o médium desse perigoso visitante.
Em compensação, a revista “Luz y Unión”, de Barcelona (dezembro de 1902), refere que uma infortunada mãe de família impelida ao crime contra seu marido por uma influência oculta, acometida de acesso de furor, para cuja debelação eram de todo impotentes os recursos ordinários, foi curada em dois meses, graças à evocação e conversão do Espírito obsessor, mediante a persuasão e a prece. É evidente que análogos resultados seriam obtidos, em muitos casos, com o emprego dos mesmos processos.
Em sua maioria, os Espíritos que intervêm nos fenômenos de casas mal-assombradas podem ser classificados entre os obsessores.
O espectro de Valence-en-Brie (1896), que derribava os móveis na casa do Sr. Lebègeu, e cuja voz se fazia ouvir desde a adega até o sótão, injuriando os moradores, expandindo-se em palavras grosseiras e expressões indecorosas, é o tipo desses manifestantes de baixa categoria.
O “Psychische Studien”, de agosto de 1891, registra um caso análogo. Uma pobre mulher de Goepingen, de 50 anos de idade, era perseguida pelo Espírito de seu marido que, depois de a haver abandonado, ausentando-se para a América e levando consigo uma outra mulher, assassinara sua amante e suicidara-se em seguida. Produzia variados e contínuos ruídos em seu quarto e impedia de dormirem os locatários vizinhos. Ela o reconhecia pela voz; e teve que mudar várias vezes de domicílio, mas inutilmente. O Espírito a toda parte a acompanhava. Metia-se-lhe na cama durante a noite, empurrava-a com violência e puxava-lhe o cabelo. Uma ocasião queimou-a tão vivamente que durante 15 dias ela conservou o sinal da queimadura.
Esses maus Espíritos são, em geral, apenas ignorantes e pode-se conduzi-los ao caminho do bem pela doçura, paciência e persuasão. Também os há perversos, endurecidos e mesmo perigosos, que se não conseguiria impunemente afrontar, sem se estar munido de vontade, de fé e de moralidade. Convém repeti-lo: a lei de analogia regula todas as coisas no domínio do invisível. Nossos contactos com o mundo ultraterrestre variam ao infinito, conforme a natureza de nossos pensamentos e de nossos fluidos, que constituem poderosos ímãs para o bem como para o mal. Mediante ele podemos associar-nos ao que há de melhor ou de pior no Além e provocar em torno de nós as manifestações mais sublimes ou os mais repulsivos fenômenos.
Citemos ainda estes dois interessantes casos de obsessão, que foi possível fazer cessar mediante processos diferentes, tendo sido o primeiro publicado em “Annales des Sciences Psychiques”, de janeiro de 1911, e atestado pelo Sr. E. Magnin, professor da Escola de Magnetismo:
“Uma senhora, ainda bem moça, que padecia dores de cabeça de origem neurastênica, ao fim de alguns anos agravadas com uma obsessão de suicídio, me veio consultar. O minucioso exame que lhe fiz revelou um organismo isento de qualquer tara física. O lado psíquico, ao contrário, deixava muito a desejar: emotivo, extravagante, facilmente sugestionável. A enferma acusava com insistência uma opressão “enlouquecedora”, dizia ela, sobre a nuca, acompanhada de uma sensação de peso, às vezes intolerável, sobre os ombros; nessas ocasiões sentia-se assaltada de um desejo quase irresistível de matar-se.
No curso de longa conversa me revelou ela que, antes de seu casamento, havia sido requestada por um oficial, a quem amava, mas com quem fora, por motivos de família, impedida de casar-se. Falecera este algum tempo depois, e a breve trecho começara ela a sentir essa obsessão de acabar com a vida. Aí estava indubitavelmente a origem da idéia obsidente, e um tratamento psicoterápico se impunha. Várias sessões, em estado de vigília, foram efetuadas sem êxito; fiz em seguida experiências de reeducação na hipnose “magnética” e não obtive melhora alguma; sugestões imperativas no sono “hipnótico” também não produziram resultado apreciável.
Decidi então, com anuência do marido, mas sem que o soubesse a enferma, operar com o concurso de uma médium eu vinha estudando há algum tempo e que muitas vezes me surpreendera pela nitidez das percepções visuais que o seu dom de “vidente” lhe permitia descrever-me. Não revelei à médium uma única palavra da situação e só depois de haver adormecido a enferma é que a coloquei em sua presença. Preveni-a de que lhe não faria pergunta alguma e que, por sua parte, se limitasse a descrever o mais simplesmente possível o que seu dom de vista psíquica lhe deixasse ver.
Tão depressa foi trazida ao pé da enferma, adormecida numa poltrona, descreveu um ser que parecia “agarrado” às costas da paciente. Sem deixar perceber minha surpresa, em o interesse que despertava essa observação, pedi à vidente que indicasse a posição exata do ser invisível para mim. “Com a mão direita – disse – ele aperta a nuca da enferma e com a esquerda oculta a própria fronte.” Depois, ofegante de comoção, exclamou: “É um suicida e quer que ela se lhe vá reunir.” A meu pedido, lhe descreveu a fisionomia, a expressão: “um olhar singularmente estranho.” Pudemos em seguida, eu e a médium, conversar com essa personalidade. Longa e extenuante foi a minha conversação, até que vim a experimentar um alivio e uma verdadeira satisfação, ao saber pela médium que os meus argumentos haviam convencido o “espectro” e que, tocado de compaixão, ele prometia deixar sua vítima em paz.
Só duas horas depois de ter a médium se retirado foi possível despertar a paciente. Não lhe revelei uma única palavra da experiência, que ela devia sempre ignorar. Ao despedir-se, me disse ela: “Sinto-me hoje muito aliviada.”
Dois dias depois voltou a visitar-me: a transformação era visível. Sua atitude, expressão fisionômica, maneira de vestir-se, tudo denotava completa mudança em seus pensamentos; suas naturais disposições, sua jovialidade e gosto pelas artes lhe tinham voltado de um dia para o outro. Seu marido já não a reconhecia, tão brusca fora a transição.
Depois da aludida experiência, a jovem senhora não mais tornou a sentir a opressão na nuca, nem a sensação física de peso nos ombros, nem a obsessão psíquica de suicídio; sua saúde, em todos os sentidos, se tornou até hoje perfeita.
Uma discreta pesquisa me permitiu saber que o oficial em questão não morrera de febre infecciosa, como o acreditavam as pessoas de suas relações, mas que ele se tinha realmente suicidado com um tiro na cabeça. Também o seu caráter ficou averiguado ser exatamente o que descrevera a médium, bem como o olhar “estranho”, explicado por um ligeiro estrabismo.”
O segundo caso vem relatado na “Luce e Ombra”, de janeiro de 1905. Enrico Carreras descreveu os conflitos de influência que se produziam, nas sessões realizadas com o médium Politi, entre o Espírito protetor Ramuzzi e o obsessor Spavento:
“Recordo-me de que uma noite, na obscuridade, achando-me sozinho diante dele, porque os meus companheiros de estudo tinham fugido apavorados, tive que me empenhar com o médium, de quem Spavento se havia apoderado, numa tremenda luta, em que me foi preciso recorrer a toda a força de que sou dotado.
Julguei conveniente expor tudo isso, a fim de mostrar aos neófitos que o Espiritismo não é coisa que se deve tomar como brincadeira, pois que pode acarretar conseqüências, e para mostrar aos professores da escola materialista quão longe estão das inofensivas personalidades secundárias de Binet e P. Jane essas personalidades mediúnicas ou, por melhor dizer, espíritas, capazes de produzir os supracitados fenômenos, sem contar vários outros, como os repetidos urros de animais que até na rua se ouviam, os assobios agudos, as violentas explosões que se produziam numa casa desabitada, vizinha da nossa, etc.
O sistema que havíamos adotado e a assídua colaboração de Ramuzzi, que se esforçava de um lado por acalmar Spavento e, do outro, por sustentar o médium, materializando-se à noite em seu quarto e dirigindo-lhe palavras de conforto, ao mesmo tempo em que lhe transfundia bons fluidos, essa tática – dizemos – não tardou a fazer sentir seus benéficos efeitos.
Pouco a pouco, Spavento se modificou, assim no moral como em suas manifestações físicas. Abandonou o primeiro nome para adotar o de César e veio a tornar-se, com grande satisfação para nós, um dos nossos mais caros amigos invisíveis. Talvez em breve tenha ocasião de expor aos meus assíduos leitores como se efetuou essa gradual transformação, que nos custou grande trabalho, mas de que fomos sobejamente recompensados.”
Por que meios se pode preservar os médiuns dos perigos da obsessão? Rodeando-os de uma atmosfera de paz, de recolhimento, de sossego moral, formando, pela união das vontades, o anteparo de forças magnéticas.
O médium deve sentir-se amparado, protegido. É preciso também não descurar da prece. Os pensamentos são forças, tanto mais poderosas quanto mais puros e elevados sejam eles. A prece, auxiliada pela união das vontades, opõe uma barreira fluídica inacessível às entidades inferiores.
Deve, por seu lado, o médium resistir pela vontade e pelo pensamento a toda tentativa de obsessão e libertar-se das dominações suspeitas. É mais fácil prevenir que remediar. Os casos de incorporação, principalmente, oferecem perigos. Por isso, não deve o médium abandonar seu organismo a outras entidades senão debaixo da vigilância e fiscalização de um Guia esclarecido.
É um erro e um abuso acreditar que o médium deve ser sempre passivo e, sem reserva, submisso às influências ambientes. O médium não é um paciente servil como os sensitivos enfermos que servem às experiências de certos especialistas; é um missionário, cuja consciência e vontade jamais se devem aniquilar, mas exercer-se judiciosamente e só curvar-se, convictamente e após exame, à direção oculta que lhe é impressa. Quando as influências que sente lhe parecem más e degenerem em obsessão, não o deve hesitar em mudar de meio, ou pelo menos afastar de si as pessoas que se lhe afigure favorecerem ou atraírem essas influências.
Afastando-se as causas de obsessão, evitam-se ao mesmo tempo as causas de enfermidade. São os fluidos impuros que alteram a saúde dos médiuns e lhes perturbam e deprimem as mais belas faculdades.
Nos fenômenos de incorporação muitas vezes se abusa do magnetismo humano. Só a ação de um homem de bem, de hábitos puros e elevados pensamentos, pode ser admitida. O médium, em todas as circunstâncias, deve colocar-se sob a proteção de seu guia espiritual, que, se for elevado e enérgico, lhe saberá desviar todos os elementos de perturbação, todos os motivos de sofrimento. Em suma, os maus Espíritos só exercem em nós a influência que lhes quisermos permitir. Quando há retidão da moral, pureza de coração, vontade firme, são infrutíferos seus esforços.
*
Uma eficaz proteção oculta, vínhamos dizendo, é a condição essencial de bom êxito no domínio da experimentação. Nenhum grupo a poderia dispensar. Os fatos mostram e todos os médiuns que têm publicado suas impressões e memórias o atestam.
A Sra. d'Espérance dedica seu livro, “No País das Sombras”, a seu guia espiritual, Hummur Stafford, “cuja mão diretora, posto que invisível, e os sábios conselhos foram seu amparo e conforto na travessia da vida”.
A Sra. Piper, enfraquecida e adoentada pelo contacto de Espíritos inferiores, deveu seu restabelecimento e a boa direção de seus trabalhos à enérgica e vigorosa intervenção dos Espíritos Imperator, Doctor e Rector. Graças a eles, de confusas que eram, as experiências dentro em pouco se tornaram claras, convincentes.[v]
Poder-se-iam multiplicar esses exemplos. Allan Kardec constituiu a Doutrina Espírita com o auxílio de revelações emanadas de Espíritos superiores. Em nosso próprio grupo foi, graças à influência de Espíritos elevados, que obtivemos os magníficos fenômenos relatados páginas atrás. É verdade que só ao cabo de longo período de expectação e de perseverantes ensaios é que nos foi prestado esse concurso. Nessa ordem de fatos obtém-se o que se soube merecer por uma paciência posta por muito tempo à prova e por um desinteresse absoluto. Na experimentação achamo-nos em presença de Inteligências estranhas, de Vontades que muitas vezes sobrepujam a nossa e pouco se inquietam com as nossas exigências e caprichos. Elas perscrutam o nosso foro íntimo e é preciso saber captar-lhes a confiança e o amparo, mediante intenções puras e generosos propósitos.
Essa proteção, que pairava sobre o nosso grupo e persistiu por todo o tempo em que nos conservamos unidos de coração e em pensamento, eu tinha encontrado sempre em meu tirocínio de conferencista, e sinto-me feliz em o poder testemunhar aqui, agradecendo-a, de ânimo sincero e comovido, a esses nobres amigos do Espaço, cuja assistência me tem sido tão preciosa nos momentos arriscados.
Mais de uma vez, na ocasião de comparecer perante um público descrente, quase hostil, e de ter que explanar, diante de salas repletas, assuntos assaz controvertidos, encontrei-me nas mais desfavoráveis condições físicas. E de cada vez também, ao meu instante apelo, vinham os meus guias invisíveis restituir-me as forças indispensáveis ao desempenho de minha tarefa.
Vê-se quão necessária é nas sessões a proteção de um guia sério, valoroso, esclarecido. Quando o guia é inapto as dificuldades se multiplicam e são numerosas as mistificações. Os Espíritos levianos se imiscuem com os Espíritos de nossa família, cujas manifestações perturbam. Intrusos, de uma imprudência revoltante, se insinuam às vezes nas reuniões. O professor Falcomer, em sua “Phénoménographie”,[vi] refere um caso em que “a manifestações piedosas sucedeu uma linguagem ímpia ditada por pancadas da mesa e dirigida a três senhoras e uma mocinha. Era a linguagem de um ser impudente e abjeto e é impossível transcrevê-la”. A mãe do professor e os outros assistentes ficaram seriamente aborrecidos.
A ação de Espíritos malignos e de baixa classe não lança unicamente o ridículo e o descrédito sobre a nossa causa, dela afastando as pessoas escrupulosas e bem educadas; impele ainda os médiuns à fraude e, com o tempo, vem a corromper-lhes o senso e a dignidade. Começam os assistentes rindo e divertindo-se com as respostas cínicas ou extravagantes desses Espíritos; mas, por isso mesmo, os atraem; e esses incômodos visitantes, a quem assim abre a porta, voltam, agarram-se aos que lhes dão acesso e tornam-se, não raro, temíveis obsessores.
*
O Espiritismo, por uns considerado perigoso, por outros vulgar e pueril, quase só é conhecido pelo povo sob seus aspectos inferiores. São os fenômenos mais materiais que atraem, de preferência, a atenção e provocam apreciações desfavoráveis. Esse estado de coisas é devido aos teoristas e vulgarizadores que, vendo no Espiritismo uma ciência puramente experimental, descuram ou repelem por sistema, algumas vezes com desdém, os meios de cultivo e elevação mental indispensáveis para se produzirem manifestações verdadeiramente imponentes entre o estado físico vibratório dos experimentadores e o dos Espíritos suscetíveis de produzir fenômenos de grande alcance, e nada se faz no sentido de atenuar essas diferenças. Daí a penúria de altas manifestações comparadas à abundância dos fenômenos vulgares.
O resultado é que inúmeros críticos, só conhecendo da questão a sua face terra-a-terra, constantemente nos acusam de edificar sobre fatos mesquinhos uma doutrina demasiado ampla. Mais familiarizados com o aspecto transcendental do Espiritismo, reconheceriam que nada exageramos; ao contrário, nos temos conservado abaixo da verdade.
Quaisquer que sejam as relutâncias dos teóricos positivistas e “antimísticos”, forçoso será ter em conta as indicações dos homens competentes, sem o que viria a fazer-se do Espiritismo mísera ciência, cheia de obscuridades e perigosa para os investigadores.
O amor da ciência não basta, disse o professor Falcomer; é indispensável a ciência do amor. Nos fenômenos não temos que nos haver unicamente com elementos físicos, mas com agentes espirituais, com entidades morais, que, como nós, pensam, amam e sofrem. Nas profundezas invisíveis, a imensa hierarquia das almas se desdobra, das mais obscuras às mais radiosas. De nós depende atrair umas e afastar as outras.
O único meio consiste em criarmos em nós, por nossos pensamentos e atos, um foco irradiador de luz e de pureza. Toda comunhão é obra do pensamento. O pensamento é a própria essência da vida espiritual. É força que vibra com intensidade crescente, à medida que a alma se eleva, do ser inferior ao Espírito puro e do Espírito puro até Deus.
As vibrações do pensamento se propagam através do espaço e sobre nós atraem pensamentos e vibrações similares. Se compreendêssemos a natureza e a extensão dessa força não alimentaríamos senão altos e nobres pensamentos. Mas o homem se ignora ainda, como ignora a imensa capacidade desse pensamento criador e fecundo que nele dormita e com o qual poderia renovar o mundo.
Em nossa fraqueza e inconsciência, atraímos na maior parte das vezes Espíritos maus, cujas sugestões nos perturbam. É assim que a comunicação espiritual, em conseqüência de nossa inferioridade, se obscurece e desvirtua; fluidos corrompidos se espalham pela Terra e a luta entre o bem e o mal se empenha no mundo oculto como no mundo material.
Na atração dos pensamentos e das almas consiste integralmente a lei das manifestações psíquicas. Tudo é afinidade e analogia no Invisível. Investigadores que sondais o segredo das trevas, elevai bem alto, pois, os pensamentos, a fim de atrairdes os gênios inspiradores, as forças do bem e do belo. Elevai-os, não somente nas horas de estudo e experiências, mas freqüentemente, a todas as horas do dia, como um exercício regenerador e salutar. Não esqueçais que são esses pensamentos que vão lentamente eternizando e purificando o nosso ser, engrandecendo as nossas faculdades e tornando-nos aptos a experimentar as mais delicadas sensações, fonte de nossa felicidade futura.
*
O problema da mediunidade tem permanecido obscuro e incompreendido para a maioria dos psicologistas e teólogos de nossa época. O passado possuía a esse respeito lúcidas noções, e mesmo na Idade Média alguns homens, herdeiros da sabedoria antiga, apreciaram com justeza essa questão. No século XII, Maimônides, o douto rabino judeu de Córdova, discípulo de Averrhoes, inspirando-se nas doutrinas da Cabala, resumia nestes termos a lei da mediunidade:
“O Espírito paira sobre a Humanidade, até encontrar o lugar de sua morada. Nem toda natureza lhe é propicia; sua luz só pousa e permanece no homem prudente, são e esclarecido. Quem quer que aspire às honras do sublime comércio deve consagrar-se a aperfeiçoar sua natureza, por dentro como por fora. Amigo da solidão, leva consigo os livros sagrados, ali prolonga suas vigílias e meditações, sacia sua alma de ciência e de virtude. Suas refeições são reguladas; sua comida e bebida escolhidas, a fim de que em seu corpo sadio e em sua carne convenientemente renovada haja um sangue generoso. Então está tudo pronto: o forte, o precavido, o sábio será profeta ou vidente, desde que o Espírito o encontre em seu caminho.” [vii]
Tem, pois, o homem que se submeter a uma complexa preparação e observar uma regra de conduta, para em si desenvolver o precioso dom da mediunidade. É necessária para isso a cultura simultânea da inteligência, da meditação, do recolhimento e do desprendimento das humanas coisas. O Espírito inspirador detesta o ruído: “Deus não habita o tumulto”, diz a Escritura. Um provérbio árabe o repete: “O ruído é dos homens; o silêncio é de Deus.”
“É preciso aperfeiçoar-se por dentro e por fora”, afirma o sábio judeu. As companhias vulgares são, com efeito, nocivas à mediunidade, em razão dos fluidos impuros que se desprendem das pessoas viciosas e se adaptam aos nossos, para os neutralizar. É preciso também velar pelo corpo: “Mens sana in corpore sano.” As paixões carnais atraem os Espíritos de lascívia; o médium que a elas se abandona avilta o seu precioso dom e termina perdendo-o. Nada enfraquece tanto as altas faculdades como entregar-se ao amor sensual, que enerva o corpo e perturba as límpidas fontes de inspiração. Do mesmo modo que o lago mais puro e mais profundo, quando o agita a tempestade, que lhe revolve o lodo e o faz subir à superfície, cessa de refletir o azul do céu e o esplendor das estrelas, assim também a alma do médium, turbada por impuros movimentos, se torna inapta para reproduzir as visões do Além.
Há nas íntimas profundezas, nos recessos ignorados de toda consciência, um ponto misterioso por onde cada um de nós se íntegra no invisível, no divino. Esse ponto que cumpre descobrir, ampliar, engrandecer; é essa infraconsciência que desperta no transe, como um mundo adormecido, e patenteia o segredo das vidas anteriores da alma. É a grande lei da psicologia espírita, unindo e conciliando, no fenômeno mediúnico, a ação do Espírito e a liberdade do homem; é o ósculo misterioso resultante da fusão de dois mundos nesse frágil e efêmero ser que somos nós; é um dos mais nobres privilégios, uma das grandezas mais reais da nossa natureza.
Sublimes deveres e extensas responsabilidades acarreta a alta mediunidade. “Muito se pedirá a quem muito recebeu.” Os médiuns são desse número. Seu quinhão de certeza é maior que o dos outros homens, pois que vivem por antecipação no domínio do invisível, ao qual os prende um laço cada vez mais apertado. Um prudente exercício de suas faculdades os elevará às esferas luminosas do Além e aí lhes prepara sua futura situação. Do ponto de vista físico, não é menos salutar esse exercício. O médium se banha, se retempera num oceano de eflúvios magnéticos que lhe dão poder e força.
Em compensação, tem que cumprir imperiosos deveres e não deve esquecer que suas faculdades lhe não são outorgadas para si próprio, mas para o bem de seus semelhantes e para o serviço da verdade. É uma das mais nobres tarefas que possam caber a uma alma neste mundo. Para a desempenhar, deve o médium aceitar todas as provas, saber perdoar todas as ofensas, esquecer todas as injúrias. Seu destino será, talvez, torturado, mas é o mais belo porque conduz às culminâncias da espiritualidade. No percurso extensíssimo da História, a vida dos maiores médiuns e profetas lhe oferece o exemplo do sacrifício e da abnegação.
Livro No invezível : Léon Denis


[i]    Th. Darei – “La Folie” (Leymarie, editor), passim.
[ii]   Allan Kardec – “O Livro dos Médiuns”, cap. XXIII.
[iii]   Ver em “Choses de l’autre monde”, pág. 139, o caso de Victor Hennequin que, obstinando-se em experimentar sozinho e sem fiscalização, enlouqueceu. Recebia, pela mesa, comunicações da “alma da Terra”, e acreditou-se elevado à categoria de “vice-deus” do planeta. Nisso, porém, talvez não houvesse mais que um fenômeno de auto-sugestão inconsciente.
[iv]   Reproduzido pelo “Spiritualisme Moderne”, Paris, 1903, pág. 57.
[v]    Ver 2ª Parte, cap. XIX.
[vi]   Reproduzido pela “Revue Spirite”, 1902, pág. 747.
[vii]  Dux dubitantium et director perplexorum”. (Le Guide des Egarés). Tra. Munck, tomo I, pág. 328.





segunda-feira, 26 de março de 2012

Magnetismo - Sugestão, Mediunismo




VIII

Magnetismo - Sugestão, Mediunismo


O corpo humano é a melhor pilha magnética que encontramos, quando aperfeiçoado para esse fim: - são os médiuns, nome que já está incluído nos dicionários científicos.
Ser médium não quer dizer ser espírita, porque existe quantidade inumerável de médiuns que não são espíritas.
Médium é o indivíduo dotado de flexibilidade, precisa para transmitir ao mundo exterior as percepções do mundo interior, ou mesmo do mundo exterior, se o agente que o transmite ainda se acha encarnado.
Assim como para a produção da eletricidade no mundo externo precisamos de aparelhos, de instrumentos com pólos combinados,- assim também necessitamos de um instrumento.
Os médiuns são os instrumentos, e a própria ciência materialista, quando trata de demonstrar o hipnotismo, procura um sujet (médium) para suas manifestações. (Vide Hipnotismo, de fajardo).
Mas encaminhemos as curas pelo magnetismo, que é arte ou ciência, como quiserem os que fazem questão de palavra.
Já vimos que fluido não é uma palavra vã, nem quer dizer mistério, mas nomeia os gases, a matéria imponderável, como da que resultam o calor, a lua, a eletricidade, etc.
Mesmer, em 1766, numa tese que publicou «De Planetarum Influxo», sustentou a existência de um fluido sutil, espalhado por toda parte e por cujo meio os corpos celestes influem nos corpos animados. Pouco depois estabeleceu-se em Viena e tentou curar pelo magnetismo mineral, aplicando o ímã ás partes doentes; mas logo observou que bastava a aplicação das mãos ao corpo para produzir o mesmo efeito; proclamou, desde então, um magnetismo animal - e declarou que encontrara o segredo de se apoderar desse fluido, e de restabelecer a saúde acumulando-o no corpo dos doentes.
Em 1874 uma comissão de sábios, na qual figuravam Darcet, Franklin, Bailly e Jussieu, foi encarregada de examinar a nova doutrina.
Jussieu um dos membros da comissão, não partilhou da opinião de seus colegas mas sim da opinião do grande médico alemão, em relatório especial que escreveu.
Afinal, depois de tanta luta, entrou o magnetismo na academia, com o nome trocado: hipnotismo.
Mas, para que bem se conheça, tanto o hipnotismo usual, como o magnetismo é indispensável o estudo do espiritismo. Aqueles, são ramificações deste: são rios que correm para o grande mar espiritual.
 E é por isso que o Doutor Gyel diz que a fisiologia materialista não explica, absolutamente, os fenômenos do hipnotismo.
O estudo acurado do magnetismo e hipnotismo, demonstra patentemente, a realidade, das curas espíritas.
Examinemos um fato narrado pelo Doutor Liebaut, publicado no «Le Ropple», antigo jornal parisiense, redatoriado pelo provecto jornalista Victor Meunier.
«Focachon, farmacêutico em Charmes, iniciou suas experiências de hipnotismo, com o sujet (médium), senhorita Eliza.
Entre outras sessões narramos a em que Focachon, servindo-se de dois pedaços de tela de Albespeyres, colocou uma em cada braço do médium, sugestionando-a para que em um só braço se produzisse a vesicação. O resultado foi surpreendente. Em seguida, projetou o seu pensamento sobre outra parte do braço, e, sem substância alguma vesicante, também produziu a mesma vesicação, que em outra parte do braço fora produzida pela tela Albespeyres.
Essas experiências foram assistidas pelos professores, Boaunis e Bernheim, de Nancy, Lïgeois, Faculdade de Direito; Drs. Boulard e Liebault.
Como explicar esse fato, sem admitir a ação fluido-terapeutica?
Dirão os parladores que o farmacêutico agiu pela sugestão.
Mas, que é a sugestão?
Certamente não é uma palavra vã mas ha de forçosamente designar alguma coisa.
Não seria mais racional, em vez de preferirem palavras que nada explicam pensar que uma camada de matéria fluídica, com a propriedade de tirar a ação do caustico foi projetada pela ação magnética, entre a pele e a tela, para inutilizar esta?
Não seria mais lógico dizer que, ou o espírito do farmacêutico, ou outro, que se utilizou da sua mediunidade, concentrou por exemplo, duas partes de oxigênio com duas de hidrogênio no lugar em que se produziu a outra vesicação, sem ter sido lá aplicado vesicatorio algum?
O grande Aksakof diz, com muita razão: «o magnetismo já criou a psicologia experimental e acabará por fazer compreender os fatos de animismo e espiritismo».
No próximo capitulo, estudaremos a correspondência sobre o magnetismo vital, do ilustre médico Doutor Billot aproveitando os dados que nos fornece o missionário do espiritismo, na França, Dr. Gabriel Delanne.

        Cairbar Schutel

        Histeria e Fenômenos Psíquicos

          As Curas Espíritas

          1911






 

sexta-feira, 16 de março de 2012

A segunda vista






As percepções que ocorrem no estado sonambúlico, sendo de
uma outra natureza do que aquelas do estado de vigília, não
podem ser transmitidas pelos mesmos órgãos. É constante
que, neste caso, a visão não se efetue pelos olhos que, aliás,
estão geralmente fechados, e que se pode mesmo pôr ao
abrigo dos raios luminosos de maneira a afastar toda suspeita.
A visão à distância, e através de corpos opacos, exclui, além
disso, a possibilidade do uso dos órgãos ordinários da visão. É
preciso, pois, de toda necessidade, admitir no estado de
sonambulismo, o desenvolvimento de um sentido novo, sede
de faculdades e de percepções novas que nos são
desconhecidas, e das quais não podemos nos dar conta senão
por analogia e pelo raciocínio. Para isso, se concebe, nada de
impossível; mas qual é a sede desse sentido? É o que não é
fácil de determinar com exatidão. Os próprios sonâmbulos
não dão, a esse respeito, nenhuma indicação precisa. Ocorre
que, para melhor verem, aplicam os objetos sobre o epigastro,
outro sobre a fronte, outro sobre o occipital. Esse sentido não
parece, pois, circunscrito num lugar determinado; é certo,
contudo, que a sua maior atividade reside nos centros
nervosos. O que é positivo é que o sonâmbulo vê. Por onde e
como? É o que ele mesmo não pode definir.
Notemos, no entanto, que, no estado sonambúlico, os
fenômenos da visão e as sensações que o acompanham, são
essencialmente diferentes daquele que ocorre no estado
ordinário; também não nos serviremos da palavra ver senão
por comparação, e na falta de um termo que, naturalmente,
não temos para uma coisa desconhecida. Um povo de cegos
de nascença, de nenhum modo, teria palavra para exprimir a
luz, e relacionaria as sensações que ela faz sentir a alguma
daquelas que compreende porque a ela está submetido.
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Procurou-se explicar a um cego a impressão viva e brilhante
da luz sobre os olhos. Eu compreendo, disse ele, é como o
som da trombeta. Um outro, um pouco mais prosaico, sem
dúvida, a quem se quis fazer compreender a emissão dos
raios em feixes ou cones luminosos, respondeu: Ah! sim; é
como um objeto de forma cônica. Estamos nas mesmas
condições com respeito à lucidez sonambúlica; somos
verdadeiros cegos, e, como estes últimos para a luz, nós a
comparamos àquilo que, para nós, tem mais analogia com a
faculdade visual; mas se quisermos estabelecer uma analogia
absoluta entre essas duas faculdades e julgar uma pela outra,
necessariamente, nos enganaremos como os dois cegos que
acabamos de citar. Está aí o erro de quase todos aqueles que
procuram, supostamente, se convencer pela experiência;
querem submeter a clarividência sonambúlica às mesmas
provas que da visão comum, sem sonhar que não há relações
entre elas a não ser o nome que lhes damos, e como os
resultados não respondem sempre à expectativa, acham mais
simples negar.
Se procedermos por analogia, diremos que o fluido magnético,
espalhado por toda a Natureza, e do qual os corpos animados
parecem ser os principais focos, é o veículo da clarividência
mediúnica, como o fluido luminoso é o veículo das imagens
percebidas pela nossa faculdade visual. Ora, do mesmo modo
que o fluido luminoso torna transparente os corpos que
atravessa livremente, o fluido magnético, penetrando todos
os corpos sem exceção, não há, de nenhum modo, corpos
opacos para os sonâmbulos. Tal é a explicação, a mais
simples e a mais natural, da lucidez, falando do nosso ponto
de vista. Nós a cremos justa, porque o fluido magnético,
incontestavelmente, desempenha um papel importante nesse
fenômeno; ela, entretanto, não poderia dar conta de todos os
fatos. Há uma outra que os abarca a todos, mas à qual
algumas explicações preliminares são indispensáveis.
Na visão a distância, o sonâmbulo não distingue um objeto ao
longe como poderíamos fazê-lo através de um binóculo. Não é,
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de nenhum modo, esse objeto que se aproxima dele por uma
ilusão óptica, É ELE MESMO QUE SE APROXIMA DO OBJETO.
Ele o vê precisamente como se estivesse ao lado dele; ele
mesmo se vê no lugar que observa; em uma palavra, ele se
transporta. Seu corpo, nesse momento, parece aniquilado,
sua palavra é mais abafada, o som de sua voz tem alguma
coisa de estranha; a vida animal parece se extinguir nele; a
vida espiritual está toda inteira no lugar onde o seu
pensamento o transporta; só a matéria fica no mesmo lugar.
Há, pois, uma porção de nosso ser que se separa de nosso
corpo para se transportar, instantaneamente, através do
espaço, conduzida pelo pensamento e a vontade. Essa porção,
evidentemente, é imaterial; de outro modo, ela produziria
alguns efeitos da matéria; é a essa parte de nós mesmos que
chamamos a alma.
Sim, é a alma que dá ao sonâmbulo as faculdades
maravilhosas das quais goza; a alma que, em circunstâncias
dadas, se manifesta se isolando em parte e
momentaneamente de seu envoltório corporal. Para quem
observou atentamente os fenômenos do sonambulismo em
toda a sua pureza, a existência da alma é um fato patente, e
a idéia de que tudo se acaba em nós com a vida animal é,
para ele, uma insensatez demonstrada até à evidência;
também se pode dizer, com alguma razão, que o magnetismo
e o materialismo são incompatíveis; se há alguns
magnetizadores que parecem se afastar dessa regra, e que
professam doutrinas materialistas, é que não fizeram, sem
dúvida, senão um estudo muito superficial dos fenômenos
físicos do magnetismo, e que não procuraram seriamente a
solução do problema da visão a distância. Qualquer que ele
seja, jamais vimos um único sonâmbulo que não estivesse
penetrado de um profundo sentimento religioso, quaisquer
que possam ser as suas opiniões no estado de vigília.
Retornemos à teoria da lucidez. A alma, sendo o princípio das
faculdades do sonâmbulo, é nela que reside, necessariamente,
a clarividência, e não em tal ou tal parte circunscrita de nosso
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corpo. É porque o sonâmbulo não pode designar o órgão
dessa faculdade como designaria o olho para a visão exterior:
ele vê por todo o seu ser moral, quer dizer, por toda a sua
alma, porque a clarividência é um dos atributos de todas as
partes da alma, como a luz é um dos atributos de todas as
partes do fósforo. Por toda a parte, pois, onde a alma pode
penetrar, há clarividência; daí a causa da lucidez através de
todos os corpos, sob os envoltórios mais espessos e em todas
as distâncias.
Uma objeção se apresenta, naturalmente, a esse sistema, e
devemos nos apressar em responder a ela. Se as faculdades
sonambúlicas são as mesmas da alma liberta de sua matéria,
por que essas faculdades não são constantes? Por que certos
sujeitos são mais lúcidos do que outros? Por que a lucidez é
variável no mesmo sujeito? Concebe-se a imperfeição física
de um órgão; não se concebe a da alma.
A alma se liga ao corpo por laços misteriosos, que não nos
fora dado a conhecer antes que o Espiritismo nos tivesse
demonstrado a existência e o papel do perispírito. Tendo essa
questão sido tratada de maneira especial na Revista e nas
obras fundamentais da Doutrina, não nos deteremos mais
aqui; limitamo-nos a dizer que é pelos nossos órgãos
materiais que a alma se manifesta ao exterior. Em nosso
estado normal, essas manifestações estão naturalmente
subordinadas à imperfeição do instrumento, do mesmo modo
que o melhor operário não pode fazer uma obra perfeita com
más ferramentas. Por admirável que seja, pois, a estrutura de
nosso corpo, que ele haja tido a previdência da Natureza em
relação ao nosso organismo para o cumprimento de suas
funções vitais, há distância desses órgãos, submetidos a
todas as perturbações da matéria, à sutileza de nossa alma.
Por muito tempo, pois, que a alma se prenda ao corpo, sofre lhe
os entraves e as vicissitudes.
O fluido magnético não é a alma, é um laço, um intermediário
entre a alma e o corpo; é pela sua maior ou menor ação
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sobre a matéria que torna a alma mais ou menos livre; daí a
diversidade das faculdades sonambúlicas. O sonâmbulo é o
homem que não está desembaraçado senão de uma parte de
suas vestes, e cujos movimentos são ainda constrangidos por
aquelas que lhe restam.
A alma não terá sua plenitude e inteira liberdade de suas
faculdades, senão quando houver sacudido os últimos cueiros
terrestres, como a borboleta sai de sua crisálida. Se um
magnetizador fosse tão potente para dar à alma uma
liberdade absoluta, o laço terrestre seria rompido e a morte
disso seria a conseqüência imediata. O sonambulismo nos faz,
pois, colocar um pé na vida futura; ele afasta um lado do véu
sob o qual se escondem as verdades que o Espiritismo nos faz
entrever hoje; mas não a conheceremos, em sua essência,
senão quando estivermos inteiramente desembaraçados do
véu material que a obscurece neste mundo.
Obras Póstumas: Alan Kardec
Fonte: www.autoresespiritasclassicos.com