quinta-feira, 29 de setembro de 2011

MEDICINA E FILOSOFIA

Atrás explicamos que a culpa e o erro fundamen­tal dos nossos tempos repousam no orgulho e na rebelião a ordem divina das coisas, de que derivam muitos males e muitas dores. Aqui não falaremos desse erro moral, especialmente em relação ao trabalho e aos bens úteis da vida, mas o faremos com relação a nossa saúde física. Procuraremos precisar os efeitos da moderna psicologia de independência, quando ela penetra também esse nobre ramo da ciência, que é a medicina.
Repassemos agora as ruinosas o que uma orientação excessivamente materialista e hedonista conduziu a ciência, e encaremos a urgente necessidade de conferir a esta uma superior fi­nalidade ética. O homem que preferiu o seu eu a Deus e acredita tornar-se senhor e centro do seu mun­do, por mais que queira manter-se objetivamente apegado apenas aos fatos e, ausente e neutro em face de qualquer meta ideal, só por esta sua atitude, fixou uma afirmação axiomática e dogmática que colorirá toda a sua concepção, ainda que tal premissa esteja oculta no subconsciente. Disto não pode nascer senão uma medicina que tende a substituir-se a natureza e que prescinde do poder curativo desta, a ponto de acre­ditar poder e dever corrigi-la e suplantá-la. Assim, hoje, enquanto a medicina se guarda bem de pos­suir uma filosofia, efetivamente tem uma, da qual depende a sua orientação. Também aqui não se pode prescindir do fator moral que, sendo superior a todas as leis humanas, as penetra a todas de modo a se encontrar em todas, ainda que seja negado. Igualmente aqui se verifica a habitual cadeia — ignorância, erro, mal, dor, e também aqui os mesmos resultados como nos outros casos.
Encaremos o problema mais de perto. Nenhum campo como no da medicina, que intervém em nosso mundo orgânico, é tão pejado de conseqüências no­civas como esse moderno espírito rebelde às leis da vida, o qual pretende erigir-se em plena autonomia, para adaptá-la aos próprios fins hedonísticos. A saúde é fenômeno de longas e longínquas repercussões, é um equilíbrio profundo das energias da vida que o homem moderno perturba com extrema facilidade, le­vando uma vida contra a natureza, e que ele preten­de depois restabelecer com a varinha mágica do me­dico e da medicina, com o milagre da descoberta científica. E acredita facilmente nisto que agrada e é cômodo, tanto mais que isto se presta à exploração industrial e individual, havendo quem tenha interes­se em criar e manter tais credulidades. No entanto a vida é feita de maneira diversa, e nem a podemos alterar a nosso talante. E se tentarmos na tal empre­sa, as forças da vida reagirão, punindo-nos pelo erro. É certo que a imbecilidade das massas parece ilimitada e biologicamente é inevitável que os fracos se­jam explorados. Como isto é rendoso para os esper­tos, prova-o a concorrência que existe hoje na indústria da exploração de tal imbecilidade, em todo o campo possível e imaginário. Mas é verdade tam­bém que, dada a grande compreensão da maioria, nada melhor a pode educar do que ter sido ela es­carmentada com o próprio prejuízo. Em todas as esferas de ação a vida adota esse sistema para induzir-nos a compreender, isto é, a progredir.
O dano em medicina é grave, visto que se trata de uma terapêutica desorientada, que aplicada em larga escala ameaça a constituição orgânica, sobre­tudo das raças civilizadas, que dela fazem mais uso. É verdade que a vida é uma batalha que cada qual deve combater com as próprias armas, com as próprias características e com os meios acumulados no tempo, e isto no campo orgânico como no espiritual. É verdade também que a vida possui poderes corre­tivos e de recuperação, em face dos piores erros e, por conseguinte, pode resistir aos maiores assaltos. Mas nós não estamos em grau de dizer quantas do­res isto custará ao homem moderno.
Hoje domina a terapêutica antimicrobiana, a qual determina uma intervenção contínua e difusa de pro­dutos que, penetrando no organismo, tendem a modificar a própria estrutura das células, determinando um progressivo declínio orgânico e conseqüente decadência constitucional. A caça ao micróbio reduz-se a uma conturbação, pela qual se prejudicam as na­turais forças defensivas e se produz crescente vulne­rabilidade orgânica. Freqüentemente se obterá uma vantagem imediata, mas é necessário ver o que de nos custará pelas suas conseqüências. Não obs­tante a floração de descobertas e de novos remédios a jato contínuo, os organismos resistem cada vez menos: se os auxiliamos de um lado, eles cedem de outro. E natural que eles se enfraqueçam na proporção da defesa que lhes é prestada. A multiplicação dos remédios corresponde assim uma multiplicação de males. Ademais, as enfermidades se tornam amor­fas, atípicas, o que significa que se perturbou a ló­gica estratégia posta em prática pela inteligência da vida. Os organismos não reagem mais ou, se reagem, o fazem desordenadamente, o que significa que a natureza foi induzida à desorganização. O difundido uso dos produtos sintéticas significa o emprego de um mal sucedâneo que, se possui as características químicas, não pode ter de modo nenhum as orgânicas, dado que a vida contém forças sutis, que alcançam mesmo o campo espiritual.
Sem poder entrar aqui em particulares, este é o resultado da terapêutica moderna. Por querer ser imparcial e objetiva, ela carece da orientação geral, que só uma filosofia da vida pode conceder. Por permanecer positiva, lhe escapam muitos fundamentais imponderáveis. Não possuindo o senso da unidade cósmica, lhe fogem também o da unidade orgânica, e assim igualmente o poder de síntese, perdida como está na análise, na especialização clínica, no localis­mo patológico e no fracionamento sintomático. E sem esse poder de síntese não se chega a cumprir o ato individual da intuição que é o diagnóstico e o prog­nóstico. Não se pode compreender um momento par­ticular da vida, se não se está antes orientado no seu discernimento compreendendo primeiramente o funcionamento orgânico do universo. No estudo da vida não se pode prescindir da ordem espiritual em que ela se move, nem é lícito ignorá-la. Uma medicina naturalista é, pela própria natureza, incompleta e incompetente para julgar os fenômenos vitais. Escapa-lhe a essência des­tes. Não obstante ela negá-lo possui, em realidade, uma filosofia mais negadora da substância da vida, como é o seu materialismo. Tal é a nossa medicina analista, organicista e microbiana.
Essa sua psicologia de batalha antimicrobiana lhe vem da psicologia do século, que é de revolta e não de adesão à sabedoria das leis, ou seja, psicolo­gia do homem ainda involuído. A caça ao micróbio, se este é realidade, pode ser empirismo como orien­tação geral. Mas quem nos assegura que o micróbio não seja senão o efeito, ao invés da causa da molés­tia, visto que ele surge quando o terreno orgânico já está preparado pelo morbo e que sobre o mesmo terreno orgânico, ainda quando seja patogênico, não exercite funções particulares? Quem nos diz que o doente não seja um ser que a vida coloca sob cuida­do para curá-lo, mais do que um ser que espera a extrema-unção humana para normalizar-se? Esta con­cepção desloca tudo, fazendo passar para um primei­ro plano a sabedoria da natureza e para um segundo a do médico, visto que hoje as coisas estão invertidas. Mas a medicina consiste em seguir esta sabedoria e não substituir-se a ela para coagi-la.
O primeiro e verdadeiro grande médico é a na­tureza, grande concorrente da medicina oficial, médico que todos tem em si e que vigia e age continua­mente. Ela representa a universal presença de Deus, sempre benéfica e restauradora. O conceito do micróbio patogênico deriva do instinto de luta do ho­mem ainda involuído. É impossível seguir o bacilo e atingi-lo nas profundidades vivas do tecido, porque ele aí não se encontra como uma intromissão estra­nha, mas como em combinações de simbiose, que fa­zem parte dos próprios equilíbrios da vida. Ele mesmo é nossa vida, com funções vitais e não se pode Isolar nas infinitas interdependências orgânicas. A natureza o utiliza na sua estratégia defensiva. Os mi­cróbios não são os antagonistas da vida, mas os seus colaboradores. Mesmo quando agem contra ela, exci­tam-lhe as reações vitais.
Quando a vida adverte o assalto, adota muitos meios entre os quais ressalta a elevação da temperatura que se chama febre. Esta representa um mais alto potencial elétrico celular, especialmente do san­gue, uma posição mais enérgica para a batalha. Os medicamentos destinados a suprimir a mobilização desse dinamismo expresso pelo processo febril, vão demolir as naturais defesas orgânicas e paralisam a luta engajada pela natureza. A vida é um inteligente princípio espiritual que quer a conservação do indivíduo, porque viver tem um escopo e ela quer atin­gi-lo. As moléstias representam uma verdadeira estratégia com movimentos calculados em intensidade e duração conduzidos com ritmo próprio, que exprime pela sintomatologia. Elas representam, em suma, uma inteligente operação de guerra. Se tais planos forem transtornados, paralisando artificialmen­te a reação febril, toda a defesa se desorganizará. Então a natureza ou resiste à cura e trava a sua ba­talha da mesma forma ou se transfere para outra ocasião. Entrementes nós poderemos ter tornado tão difícil o seu trabalho, que poderá suceder que a batalha seja perdida e o organismo sucumba. Alte­ra-se assim, completamente, o conceito de saúde. Esta não é dada tanto pelas boas condições do ambi­ente, quanto pela capacidade de resistência do in­divíduo. Pelo contrário, a vida, se muito protegida, se enfraquece.
É necessário que nos exponhamos que lutemos, para que devamos aprender a vencer. A célula só se torna passível de agressão da parte dos germes pa­togênicos quando o seu índice bio-físico-químico sofreu alteração. O estado de saúde não deve, por con­seguinte, ser esperado de um ambiente artificialmen­te corrigido, mas, sobretudo de nós mesmos e isto é o resultado de uma longa história individual e cole­tiva, história em que a vida tudo registra de bem e de mal com suma justiça e vontade de fazer o bem.
As nossas atuais concepções dependem de uma falsa orientação filosófica. Não está errada a ciência que observa objetivamente, mas está errada a psico­logia com que se aplicam os seus resultados. Em nosso caso, se é perigoso ser demasiado filósofo e pou­co médico, como sucedeu nos séculos passados, é perigoso também, como possivelmente por reação sucede hoje, ser demasiado médico e pouco filósofo. Um pouco de filosofia é necessário também para supe­rar o perigo de dispersão representado pelo fragmen­tarismo analítico, ou perigo de perda do sentido uni­tário em um labirinto de fenômenos desconexos. Pa­ra resistir ao fracionamento da ciência na especiali­zação, ocorre à síntese, unificação, orientação filosó­fica. A orientação materialista conferiu â nossa me­dicina um aspecto mecânico, frio, abstrato, em que a alma do paciente sente-se afogada
Também a medicina, da mesma forma como o dissemos, com respeito ao trabalho e assim como deve suceder com todas as manifestações da vida, deve consistir, para ser genética e criadora, em um ato de ­amor. O século futuro deverá aguardar na ciência a conquista dessa nova qualidade, que pertence ao espírito e que falta inteiramente em nosso tempo.



ASCENSÕES HUMANAS

Autor: Pietro Ubaldi

Tradutores: Erlindo Salzano,
Adauto Fernandes Andrade,
Medeiros Corrêa Júnior

ÍNDICE


I             O Princípio de Unidade
  II            A Era da Unidade                                                                                 
  III          Capitalismo e Comunismo                                                                    
  IV           A Unidade Política                                                                                
  V            A Unidade Religiosa                                                                              
  VI           Os Caminhos da Salvação                                                                    
  VII         Fazer a Vontade de Deus                                                                       
  VIII        Como Orar                                                                                             
  IX          A Comunhão Espiritual                                                                        
  X            Paixão                                                                                                    
  XI           Ressurreição                                                                                           
  XII         Cristo Avança                                                                                         
  XIII       Uma Estátua se Move                                                                             
  XIV       Sinais dos Tempos                                                                                   
  XV        O Atual Momento Histórico                                                                    
  XVI       Uma Parábola                                                                                         
  XVII      A Desorientação de Hoje                                                                        
  XVIII     O Erro de Satanás e as Causas da Dor                                                  
  XIX       O Erro Moral                                                                                          
  XX         Medicina e Filosofia                                                                             
  XXI       A Ciência da Orientação                                                                        
  XXII      O Conceito de Poder em Biologia Social                                             
 XXIII      Crise de Civilização                                                                              
 XXIV      Como Funciona o Imponderável                                                         
 XXV       Amor e Procriação                                                                                   
 XXVI      Sexualidade e Misticismo                                                                      
XXVII      Porque Amor é Alegria                                                                          
XXVIII     O Problema da Castidade                                                                     
                    


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