terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A lei de Deus

IV

EM HARMONIA COM A LEI


O nosso destino e a Vontade de Deus.


Continuemos falando sobre a Divina Providên­cia. Se soubermos olhar em profundidade, ou seja, além da superfície das coisas, veremos um mundo re­gido por leis diferentes das que vigoram em nosso mundo. Trata-se de substituir o espírito de egoísmo e de separatismo vigente, por um espírito de união com Deus e de colaboração com o próximo. Trata-se de nos colocarmos num estado de aceitação perante a Lei de Deus, ao invés de nos colocarmos num estado de imposição para com o próximo. É na aplicação desta nova lei, a do Evangelho, que consiste o segre­do da felicidade e o caminho para fugir dos muitos sofrimentos que nos atormentam.
Falamos de união com Deus, de obediência à Lei, de aceitação da vontade d'Ele. Surge agora a per­gunta: como é possível chegar a compreender esta vontade de Deus a que devemos obedecer? Deus não tem boca, mas fala; não tem mãos, mas opera. Deus está presente, não há dúvida, mas não podemos percebê-Lo em forma material, na superfície das coisas, com os nossos sentidos. Deus esta presente, mas na profundeza de tudo o que existe. Há então dois cami­nhos para percebê-Lo: ou o da introspecção, olhando e penetrando dentro de nós por intermédio da medi­tação ou concentração, ou olhando os efeitos que, da profundidade onde está Deus, vêm até à superfície, revelando assim a natureza das coisas que os ge­ram e movimentam. Pode-se assim chegar a com­preender o pensamento de Deus, pelo menos no que diz respeito à nossa vida, quer afinando os sentidos no caminho da espiritualização, quer, para os que não conseguem olhar para dentro, olhando para fo­ra, ou seja, observando o que vai acontecendo co­nosco e ao redor de nós. Não podemos negar que a primeira origem de tudo está na profundidade, e que Deus, embora não tenha mãos, opera. A nossa vida e o nosso destino não se desenrolam ao acaso, mas são dirigidos por Deus. Então, se os acontecimentos podem, até certo ponto, ser o efeito da nossa vonta­de, em grande parte exprimem também a vontade de Deus. As duas vontades se misturam, colaborando quando concordam, e em luta uma contra a outra quando são discrepantes. No primeiro caso, dizem a mesma coisa, e então é fácil conhecer a vontade de Deus. No segundo caso, dizem duas coisas diferen­tes. Mas, quando tivermos separado desse conjunto o que é efeito da nossa vontade, restará aquilo que nos vai revelar qual é a vontade de Deus a nosso respeito.

Se observarmos a nossa vida, veremos que há fatos sobre os quais podemos exercer a nossa livre­-escolha à vontade. Mas, veremos também que exis­tem outros fatos acima da nossa vontade; são acon­tecimentos em relação aos quais não há escapató­rias. Há uma parte da nossa vida regida como que por um destino, com características quase de fatalida­de; há uma outra vontade, maior do que a nossa, à qual, queiramos ou não, temos de obedecer. Muitos acontecimentos parecem possuir uma vontade própria contra a qual não adianta rebelarmo-nos, nem deles fugir, apesar de o tentarmos por todos os meios. Na vida, há para todos uma parte livre, mas também existe uma parte em relação á qual vigora o princí­pio de aceitação. Aqui está a vontade de Deus, e o espírito da nossa desobediência não tem poder algum. Esta parte pode ser triste ou alegre, de satisfação ou de sofrimento, mas é sempre justa, obrigatória, impos­ta pela Lei. Em geral, esta é a conseqüência fatal do que livremente semeamos em nosso passado; fatal, não por um princípio de fatalismo que nos faria autômatos irresponsáveis, mas como efeito exato da nossa livre-vontade e do que ela quis realizar no ter­reno das causas, para que, conforme a Lei, tivesse de atuar no terreno dos efeitos. Aqui termina o do­mínio da nossa livre-escolha e vigora, em seu pleno poder, a Lei, que exige sempre obediência.

Entramos aqui no domínio do destino, e vemos a maneira pela qual o construimos para nós mesmos. O que domina tudo e todos é sempre a Lei, ou seja, a Vontade de Deus. Disso não se pode escapar. Mais cedo ou mais tarde temos de obedecer. Os inteligen­tes procuram conhecer a Lei nos seus princípios ge­rais e a Vontade de Deus no caso particular das suas vidas. Aceitando o que eles sabem que e justo, evi­tam atritos, choques, revoltas que geram a dor. Este é o caminho direto, mais proveitoso, menos doloroso. Se cometeram erros, estão prontos a pagar, de boa vontade, conforme a Lei de Deus. O método da acei­tação pacífica resolve o conflito entre a criatura e a Lei, de maneira mais rápida e tranqüila, qualquer que seja a pena que se deva pagar.

Os que não possuem esta inteligência e boa von­tade, os que estão ainda mergulhados na ignorância  e na revolta, ao invés de aceitar, rebelam-se, aumen­tando assim as suas faltas, piorando a sua posição, amontoando novas dívidas por cima das antigas. Estão acostumados a usar o sistema próprio do plano de vida animal do homem na Terra, segundo o qual o mais forte é o que vale e vence. Mas, não sabem que esse plano de vida inferior encontra-se regido pelas leis dos planos superiores, que a violência só pode dar fruto na Terra e unicamente nesse baixo nível de vida é passível o domínio da injustiça. O que esse tipo de homem julga ser a lei de tudo, não é senão a lei do seu ambiente terrestre. O homem usa, assim, um método errado, o método da revolta, pen­sando que por seu intermédio consegue vencer, im­pondo-se, quando, na verdade está usando um mé­todo que serve apenas para fabricar a dor.

Mas, é lógico e justo que assim seja, porque a dor é a única voz por ele compreendida, e não há outro caminho para guiar um indivíduo, que por natureza tende a ser livre, até compreender a existência da Lei. Rebelar-se é o maior erro que se possa cometer. Se a Lei do universo quer que o caminho para a fe­licidade seja o da obediência, é lícito ao homem construir para si quantos sofrimentos queira, porque isto lhe faz abrir os olhos e o obriga, para seu bem, a aprender. Mas não lhe é lícito destruir a Lei, pois nesse caso, se ele possuísse esse poder lançaria tudo no caos. Se Deus permitisse ao homem tanto poder, a ruína e o sofrimento humanos já não seriam ape­nas momentâneos e suscetíveis de reparação por in­termédio da dura limpeza feita pela dor, mas seriam um fracasso definitivo, um mal irreparável, uma derrota de toda a obra de Deus, sem outra possibilidade de salvação.

De certo, a ignorância e a rebeldia do homem al­mejariam chegar até àquele fim. Mas, a sabedoria e a bondade, de Deus o salvam de um tão grande de­sastre à força, para seu bem, constrangendo-o a que ele não se perca, obrigando-o a limpar-se, a corrigir-se, a aprender através da dor. Perante um quadro de lógica, bondade e justiça assim tão perfeitas, há ainda no mundo gente que, sem ter compreendido nada, quer julgar Deus como culpado dos sofrimen­tos que há no mundo. Procuram-se assim infelizes es­capatórias, lançando-se a culpa em Deus ou em seus próprios semelhantes. Mas, é inútil. Tudo fica na mesma. Os erros têm de ser corrigidos, as dívidas têm de ser pagas, a lição tem de ser aprendida. Quan­do chega a dor, nunca queremos admitir que a culpa seja nossa, e não de outros. Perante a Lei, cada um se encontra sozinho e trabalha por sua conta. Cada um fica com o destino que quis construir para si mes­mo. Rebelar-se é pior. O mais que pode fazer é re­signar-se e corrigir-se, construindo para si, de agora em diante, um destino melhor, de convicta obediên­cia a Deus, agradecendo-Lhe pela dura lição que vai conduzi-lo à felicidade.

Esta é a verdade mais importante que cada um precisa compreender: Deus é, em tudo e sempre, o dono absoluto e da Sua Lei não nos podemos evadir. Seja qual for a religião a que o homem pertença, seja o maior dos ateus, ele obedeceu, obedece e obede­cerá sempre a Deus, no sentido de que não pode es­capar da Sua Lei. Por exemplo: o fato de pertencer­mos a uma ou outra crença não nos isenta da depen­dência da lei da gravitação. O erro está em acredi­tar que estas verdades, das quais estamos falando, sejam particulares a este ou àquele grupo, religião ou filosofia humana, quando, de fato, são verdades que existem, continuam existindo e funcionando, mes­mo quando o homem não as conheça ou não as quei­ra admitir. Elas existem de maneira independente do conhecimento, da negação e mesmo da existência do homem. A conclusão é que todos obedecem a Deus: os crentes sabendo o que fazem, os descrentes sem o saberem; os bons, de boa vontade, de olhos aber­tos, por amor, sustentados pela justiça de Deus; os maus, de má vontade, nas trevas, revoltados, com raiva, esmagados pela mesma justiça de Deus.

É bem estranha e primitiva esta maneira de con­ceber tudo em função de si mesmo, pela qual o ho­mem se faz centro, finalidade única e também dono, se pudesse, da criação. Mas, em quantos erros e ilusões  psicológicas ele incorre nessa primitiva maneira de conceber as coisas! E com quantas dores terá o homem de pagar a sua ignorância! Quantas vezes terá de bater a sua dura cabeça contra as paredes da Lei, até que compreenda quão inútil e dolorosa é a loucura da sua rebeldia, e quão grande é a vanta­gem de coordenar-se com a Lei, conforme a Vontade de Deus!

Esta Vontade, saibamos ou não, queiramos ou não, é a atmosfera que todos respiramos, da qual não podemos sair, assim como respiramos o ar da atmos­fera terrestre inevitavelmente. Os materialistas jul­gam que a ciência poderá impor-se à Lei de Deus, quando na verdade poderá apenas demonstrá-la. E, ao mesmo tempo em que eles estão trabalhando pa­ra construir um mundo sem a espiritualidade, a Lei rege a evolução da vida, e os dirige, impulsionando-os para construir um mundo baseado nessa espiri­tualidade. Construtores e destruidores, apesar de o fazerem de forma oposta, de fato todos colaboram dentro da mesma Lei, para realizar a mesma construção. Assim como a morte é necessária para gerar a vida, e colaborar com ela para constantemente re­nová-la, sem o que não seria possível a sua evolu­ção, assim, os destruidores são necessários para rea­lizar os mais baixos trabalhos de limpeza do terreno, sobre o qual de outra maneira não seria possível construir. Trata-se de um trabalho feio, desagradável, desairoso, mas necessário, que os construtores, de raça mais nobre, nunca fariam, nem poderiam fa­zê-lo, porque, depois de terminado, quem o executou tem de ser afastado para não prejudicar a nova cons­trução. Eis, de fato, o que vemos acontecer nas revo­luções, nas quais é raro constatar que quem as rea­lizou tenha recolhido para si o fruto das suas lutas.

Continuaremos nestas nossas conversas, obser­vando quão profunda é a sabedoria da Lei e quão grande é a ignorância do homem a seu respeito. Concluímos a nossa conversa de hoje observando que, queiramos ou não, nos fatos concernentes a nós, afinal de contas, a nossa vontade e a Vontade de Deus trabalham juntas. Não que a boa vontade do homem tenha de colaborar, mas porque Deus permi­te que trabalhe também a nossa vontade, para a qual estabelece limites, efeitos e direção final. Pode­mos assim calcular quantas forças atuam entrelaça­das, a todo momento, em cada ato da nossa vida. Antes de tudo, está presente a nossa vontade passa­da, agora na forma dos seus efeitos que aparecem como fatais. Acima desses impulsos sobrepõe­-se e opera a nossa vontade atual que tem o poder de corrigir, nos seus efeitos, aquela nossa vontade passada, iniciando novos caminhos ou endireitando os antigos. Mas, todo esse trabalho o homem não o cumpre sozi­nho, abandonado a si mesmo; antes, o executa ao longo dos trilhos de uma estrada já marcada pela Lei de Deus, que estabelece até onde o ser está livre para errar, o poder e a natureza das reações da Lei ao erro, a técnica da elaboração e assimilação de expe­riências e a meta final de todo o grande caminho da evolução. Estamos no começo das nossas explica­ções e já podemos vislumbrar quantas coisas contém a nossa vida de cada dia, mesmo nos seus impulsos e atos mais simples.

Pietro Ubaldi: Livro: A lei de Deus

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Religião sem sabedoria





XI

CIÊNCIA SEM RELIGIÃO

Religião sem sabedoria


Onde está o sábio, onde o padre, que não nos esclarecem sobre o nosso passado?
Onde a sabedoria da "ciência", e a luz da "religião" que não ilumina os primórdios do meu Espírito, o nascimento da minha alma?
Que direito de censores poderão ter os sábios, que atribuição de "curas das almas", poderão ter os sacerdotes, se eles são incapazes de desvendar o meu passado, de iluminar o meu futuro?!
Será que a minha existência espiritual está limitada à data da minha existência corporal?
Será que a minha alma foi gerada no ventre materno?
Como se explica, neste caso, a inteligência embrionária de velhos que poderiam ser meus pais, e o desenvolvimento intelectual, superior ao meu, de moços que poderiam ser meus filhos?
Como explicar a moralidade admirável de moços em contraposição com as paixões vis de certos velhos?
Não é a idade que faz a inteligência e a moralidade.
Que será que as gera?
A influência do meio e da educação?
Mas, vemos homens, e as páginas da História deles fazem menção, cujas façanhas ultrapassam a ferocidade dos próprios animais, e, entretanto, foram criados em meio de santidade, privilegiados pela instrução!
De outro lado vemos santos que vicejam entre uma raça maldita e degradada, como um ramo de açucenas entre cardos!
Serão, porventura, a inteligência e a moralidade, o produto do meio e da educação? Vejamos agora se elas são resultantes, propriedades da matéria; se elas são emanações do corpo humano pelo funcionamento do cérebro, dos nervos, do coração, assim como a urina e a bílis são secreções dos rins e do fígado!
Mas, então, a alma extingue-se com o corpo, assim como não existia antes do corpo existir: é um vapor que desaparece reduzido à cinza o último carvão, é uma chama que se apaga à última gota do combustível, é uma claridade que desaparece ao apagar-se a última torcida?!
Se assim pensarmos, que são as Letras, as Artes, as Ciências, as religiões?
Se prevalece a química dos corpos, há de haver forçosamente uma matéria, um líquido, uma droga para elaboração do fluido da caridade e da sabedoria!
Quais é esse elemento? Como encontrá-lo? Hoje, que tudo se mede e se pesa, até os mais longínquos astros; hoje, que se conhece a natureza dos fluidos pela cor, pelo perfume, visto que o pensamento se corporifica, como está demonstrado pela fotografia; como, então, não determinam a causa material, o elemento que produz a caridade e a sabedoria?!
Não, nem os sábios, nem os padres serão capazes de resolver o intrincado problema da alma!
As religiões dos padres e a sabedoria dos sábios estão encerradas nas igrejas e nas academias, e das igrejas e academias é que têm saído as mais poderosas forças para impedir o gênio inovador na sua missão progressista.
Não evocamos os padres e os sábios para alcançar deles, ou por eles, o que quer que seja; nosso intuito foi demonstrar a falência dessas instituições, cuja única nobreza tem sido enobrecer os seus "caseiros", atraindo para eles a admiração do mundo.
Não apelamos para os padres nem para os acadêmicos esperando que eles nos dêem solução do problema, porque eles próprios se desconhecem, não sabem a sua origem, nem o futuro que os espera!
Não invocamos, pois, os mortos para saber dos vivos.
Não é nos templos, nem nas academias, que encontraremos o registro da nossa individualidade, mas, sim, na escala inferior dos seres, no reino animal, de que o nosso corpo carnal é o mais característico exemplar.
Poderá alguém negar esta verdade, que se evidência aos olhos de todos os que querem ver?
Examine o leitor, com espírito perscrutador, o reino animal e o reino hominal, e verá que não encontra entre estes reinos limites distintamente traçados.
No extremo do reino animal com o reino vegetal, estão os zoófitos ou animais plantas, nome que indica pertencerem eles a ambos os reinos, servindo-lhes de traço de união. E no extremo do reino animal com o reino hominal encontramos o orangotango, o chipanzé, o gorila, que a tal ponto apresentam as maneiras do homem que, por muito tempo, foram designados sob o nome de homens dos bosques.
Como o homem, eles andam com os pés, servem-se de bastões, constroem cabanas, e com as mãos levam os alimentos à boca.
Comparai esses animais superiores com os homens inferiores, como os Quitches e os Latoucas, com os Fuegianos, com os Vedas do Ceilão, com os Docos de Cafa e de Gurage, por nós lembrados em folhas transatas, e dizei se o reino hominal não está preso pela mesma cadeia ao reino animal, assim como este último ao reino vegetal?
A Ciência da Terra, é a Ciência sem Religião, assim como as religiões sacerdotais são sem sabedoria; tanto uma como outra vão desaparecer para dar lugar à Verdadeira Ciência, que vem de Deus!
Cairbar Schutel: Livro:Gênese da Alma
 Fonte: www.autoresespiritasclassicos.com







sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Progresso Religioso

 

                         Léon Denis   

                         Capítulo V
               O Progresso Religioso

Após ter lançado um rápido olhar sobre essas duas faces da questão do progresso: o problema político e o problema social, resta-nos examinar uma terceira face do assunto, que não é nem a menos delicada, nem a menos perigosa, isto é, a questão religiosa.
Aqui, mais do que nunca, devo esforçar-me para permanecer numa esfera elevada dos princípios, evitando descer para a arena onde se agitam as paixões furiosas e onde se entrechocam os interesses espezinhados.
O que é a religião? E é preciso uma religião? A palavra religião vem do latim religare, que significa religar, unir.
Tomada no sentido exato da palavra, a religião deveria ser uma força, um elo que unisse os homens entre si e que os unisse também a um princípio superior das coisas.
Na alma humana existe um sentimento natural que a eleva acima de si mesma para um ideal de perfeição no qual se resumem essas potências morais denominadas o bem, a verdade e a justiça. Esse sentimento, quando está esclarecido pela ciência, quando é fortificado pela razão, quando tem por base essencial a liberdade de consciência, da consciência autônoma e responsável, é o mais nobre de quantos possamos conhecer.
Ele pode tornar-se um motor das maiores ações e é também uma das manifestações da lei sublime de progresso. Todavia, senhores, não é o que acontece entre as religiões que cobrem a superfície do mundo. E quando eu digo as religiões, pretendo falar das religiões sacerdotais.
O sentimento religioso, mantido e desenvolvido por elas, é baseado na liberdade de consciência, é motivo de progresso, é um liame para a humanidade?
Não! Vós sabeis que essas religiões se excluem mutuamente, combatendo-se e perseguindo-se quanto podem. Cada uma delas pretende ser a única verdadeira, a única legítima, e cada uma delas acusa as outras de erro ou impostura e as outras, por sua vez, lhe devolvem suas acusações e seus anátemas.
Entretanto essas religiões, tão hostis entre si, entendem-se todas num ponto: é quando se trata de oprimir o pensamento, de paralisar sua evolução secular, de combater o pensamento em suas aspirações, em seus esforços para o progresso. Todavia foram homens de progresso que as fundaram, espíritos sequiosos de justiça e apaixonados pelo bem que as estabeleceram. Eles se chamaram Cristo, Buda, Confúcio. Eles trabalharam e sofreram pela humanidade, porém, quando partiram, seus sucessores se apoderaram de suas idéias e as modificaram ao bel-prazer, fazendo delas um instrumento de servidão, de domínio; o culto e a fé ficaram como uma pedra sepulcral que as castas sacerdotais quiseram colocar sobre o pensamento e a liberdade. Porém, após séculos de silêncio e de morte, o pensamento, que não pôde morrer, despertou. Saiu do túmulo onde acreditaram tê-lo sepultado para sempre e eis que ele se ergue na luz, diante de velhas fórmulas, de dogmas obscuros, e chamando para si a humanidade inteira, ele lhe diz: Julga e sentencia entre nós.
Em matéria religiosa, o problema se coloca, em nosso país, entre o Catolicismo e o livre pensamento. O Cristianismo primitivo, saído do meio do povo e que combatia a aristocracia e o sacerdócio judeu, tinha começado pelo Comunismo, pela eleição dos padres, dos padres casados.
O Catolicismo, continuador do Cristianismo, apresentou a infalibilidade papal e no Syllabus a declaração de princípios, cujo último artigo é este: “Anátema contra aqueles que pretendem que o pontífice romano deve se reconciliar com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna.”
Não me limitarei a examinar os dogmas e os ensinos do Catolicismo e cada um de vós pode dedicar-se a esse exame. Limitar-me-ei a fazer um paralelo no que nos ensina, de um lado, a religião católica e, de outro, a ciência apoiada na razão, a propósito de duas concepções essenciais que dominam toda a existência humana e toda a organização social, isto é, sobre a concepção do universo e da finalidade da vida.
As idéias que fazemos sobre a organização do universo, sobre o papel que cada um de nós deve desempenhar nesse vasto teatro do mundo, tais idéias, vós compreendeis, senhores, são de uma importância capital, porque é após elas que nós devemos dirigir todos os nossos atos. É consultando-as que assinalamos uma finalidade para a vida e marchamos para esse fim. É aí que está a base de toda a civilização; é essa concepção do mundo e da vida que inspira toda a organização e fornece ao corpo social sua direção e sua forma de governo.
Portanto daí resulta que, se tal idéia está de acordo com a verdade, as leis sociais estarão calcadas em leis naturais e a harmonia reinará no mundo; se essas idéias estiverem erradas e contrárias às leis do universo, daí decorrerão o caos, a esterilidade, a decrepitude.
Examinemos, então, a concepção do mundo como o Catolicismo nos revela e sobre a qual está estabelecida a sociedade monárquica, feudal e autoritária. O mundo, o universo, diz a Igreja, foi criado em seis dias e há sete ou oito mil anos, pela única vontade de Deus, que fez todas as coisas do nada.
Deus, diz o catecismo do Concílio de Trento, formou os céus. Enfeitou-os com o Sol, a Lua e outros astros, para servirem de sinais, distinguindo as estações e os dias, depois segue a enumeração da obra de cada um dos seis dias da criação, durante os quais Deus fez sair da terra, num momento espontâneo, os homens, as plantas e os animais. Assim, agradou um dia a Deus criar o mundo, porém Deus fica fora de sua obra como a obra está fora do obreiro.
Esse universo, tirado do nada, pode ser destruído, aniquilado e Deus o mantém e governa através do milagre.
O homem, pelo pecado original, está condenado ao sofrimento, ele não se pode salvar por si mesmo, nem merecer o céu sem o socorro da graça, isto é, do bel-prazer, e sempre diante dele, como uma ameaça terrível, aparece a perspectiva dos braseiros eternos. Assim, não há nenhuma idéia de lei, de ordem e de solidariedade. Nada além da vontade de Deus e do capricho do Todo-Poderoso.
É sobre essas noções que o mundo viveu durante vinte séculos e é sobre esses fundamentos que se edificou a sociedade da Idade Média. No que concerne à estrutura do universo, são Tomás de Aquino acrescenta que a Terra, centro do universo, está imóvel, recoberta por uma abóbada sólida, firmamentum, dividida em várias camadas, que se engastam umas nas outras, e que os astros são como centelhas, cravos de ouro colocados nessa abóbada como ornamentos.
Vejamos, agora o que nos diz a ciência sobre esse mundo, sobre esse universo. A Terra é um globo de três mil léguas de diâmetro que gira sobre si mesma e gravita em torno do Sol. Em sua corrida rápida ela percorre trinta mil léguas por segundo. Estamos longe da imobilidade e esse globo não é o único nas profundezas do céu.
De todos os lados há legiões de esferas, sóis incontáveis se movimentam nos abismos do espaço. Perto deles a Terra é um grão de areia, como um corpo mesquinho na família dos corpos celestes.
Entre os planetas que circulam em torno do Sol, um é setecentas vezes maior que a Terra (Saturno) e outro mil e quatrocentas vezes maior (Júpiter). Na superfície desses mundos o telescópio observa as mesmas aparências de vida existentes na Terra, havendo atmosferas carregadas de nuvens, continentes e mares. Distinguem-se cadeias de montanhas e acúmulos de neve e de gelo que cercam os pólos desses globos. Entretanto o olhar da ciência não pára por aí; ele sonda as regiões mais recuadas do céu e em nenhuma parte descobre os limites do universo ou uma abóbada sólida. Os limites recuam na medida em que a ciência avança, marcha, e o espaço se abre sempre mais prodigioso, mais insondável.
Todavia, por mais longe que a ciência lance seus olhares, por toda parte, por sobre todos os pontos dos céus, ela vê astros em quantidade infinita, isto é, mundos e mais mundos, terras, sóis, esferas dispersas aos milhões e formando grupos, famílias estelares, perto das quais a Terra e suas irmãs e nosso próprio Sol, apesar de suas mil e duzentas léguas de diâmetro, são como átomos, grãos de poeira perdidos na imensidade dos céus. No lugar de serem destinados a uma imobilidade eterna, todos esses mundos se agitam, se movem no seio das profundidades, gravitando uns em volta de outros e percorrendo milhares de léguas em sua corrida assustadora. Assim, por toda parte, o movimento, a vida se manifestando no espetáculo grandioso de uma criação que não começou, que jamais acabará, mas que prossegue numa transformação incessante, eterna, no seio de um espaço sem limites.
Se, do espetáculo desses mundos, lançarmos nossos olhares para a Terra, quantas coisas ela nos dirá. Embora pequeno, nosso planeta tem sua vida própria, sua função na imensa harmonia das esferas. Nas camadas superpostas que formam sua crosta, lemos sua história como nas folhas de um livro; seguimos, passo a passo, as fases de um desenvolvimento que durou, não seis dias, porém milhões de séculos, e vemos, não a marca de uma criação espontânea, mas de uma formação lenta, progressiva, submetida a leis imutáveis. Segundo essas leis, os mundos, como os seres, possuem seus períodos de juventude, de maturidade, de decrepitude, após os quais se dissolvem e desaparecem para dar lugar a novos astros. Quanto aos seres que os povoam, cada um deles, em vidas sucessivas e sempre renascentes, se eleva, de degrau em degrau, na escalada magnífica dos mundos, desde as formas mais rudimentares da vida até a plenitude da existência intelectual e moral.
Dessa forma o trabalho e o progresso se tornam a lei suprema do mundo; o arbitrário e o milagre desaparecem. A criação se faz através do tempo, tempo de esforços contínuos, pelo trabalho de todos os seres, solidários uns com os outros e no proveito de cada um.
É assim que, no lugar de um universo criado do nada, governado pela fantasia e pela graça, no lugar de uma monarquia absoluta, a ciência nos apresenta, no infinito dos espaços e dos tempos, a imensa república dos mundos, governada por leis imutáveis, acima das quais plana essa Razão consciente, que se conhece, que se possui e que é Deus.
E agora eu vos pergunto: após ter visto, no espetáculo do mundo iluminado pela ciência, manifestarem-se por toda parte esses grandes princípios universais de ordem, solidariedade, trabalho e progresso, a sociedade moderna pode ainda aceitar esses conceitos do passado, esses sistemas ultrapassados que nos apresentam o milagre e a graça planando sem cessar acima de tudo?
Podemos acreditar ainda em Josué parando o Sol, numa palavra, em todas as lendas e superstições que alimentaram nossa infância? Não, o ideal se transforma e cresce, e diante da luz de um novo dia as sombras e os fantasmas do passado vão desaparecer. O sentimento religioso não morrerá por isso, ele se tornará apenas mais racional e mais esclarecido. O próprio Cristo disse: “Um dia chegará em que o Pai não será mais adorado nem nos templos nem na montanha.”
É uma alusão à hora em que o pensamento humano, livre dos liames que o prendem, se elevará mais rápido em direção à verdade e à luz, para criar a religião do futuro, isto é, a religião natural, laica, que não terá necessidade de templos nem altares, na qual cada pai de família será o padre e no seio da qual se fundirão, como rios num oceano imenso, as crenças, as seitas que dividem e separam a humanidade.
Dirão, todavia, como será a moral, onde estará sua fonte, se não está mais nas religiões reveladas. A moral, responderei, está eternamente escrita na razão e na consciência do homem e não há necessidade dos ensinamentos dogmáticos para conhecer seu dever.
Escutai a voz interior que fala a cada um de nós, aos mais ignorantes como aos mais esclarecidos, dizendo-nos: Eleva-te pelo trabalho, pelo estudo e pela prática do bem. Eis aí a revelação por excelência e, bem melhor que os ensinos do dogma, é ela quem nos faz saber que nosso papel no mundo é trabalhar pelo nosso aperfeiçoamento e pelo da humanidade. Desenvolver nossas faculdades intelectuais e nossas qualidades morais; trabalhar para colocar na Terra o reino da justiça, da paz e da fraternidade, marchando juntos para esse fim distante, para esse ideal: a perfeição.
Eis a verdadeira religião e a única de acordo com as leis universais, a religião do progresso, a religião da humanidade!

Léon Denis: Livro: progresso
www.autoresespiritasclassicos.com



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A hora final

 

 



Léon Denis

                                                30                                         A Hora Final

Que se passa no momento da morte e como se desprende o Espírito da sua prisão material? Que impressões ou sensações o esperam nessa ocasião temerosa? É isso o que interessa a todos conhecer, porque todos cumprem essa jornada. A vida foge-nos a todo instante: nenhum de nós escapará à morte.
Ora, o que todas as religiões e filosofias nos deixaram ignorar os Espíritos, em multidão, no-lo vêm ensinar. Dizem-nos que as sensações que precedem e se seguem à morte são infinitamente variadas e dependentes sobretudo do caráter, dos méritos, da elevação moral do Espírito que abandona a Terra. A separação é quase sempre lenta e o desprendimento da alma opera-se gradualmente. Começa, algumas vezes, muito tempo antes da morte e só se completa quando ficam rotos os últimos laços fluídicos que unem o perispírito ao corpo. A impressão sentida pela alma revela-se penosa e prolongada quando esses laços são mais fortes e numerosos. Causa permanente da sensação e da vida, a alma experimenta todas as comoções, todos os despedaçamentos do corpo material.
Dolorosa, cheia de angústias para uns, a morte não é, para outros, senão um sono agradável seguido de um despertar silencioso. O desprendimento é fácil para aquele que previamente se desligou das coisas deste mundo, para aquele que aspira aos bens espirituais e que cumpriu os seus deveres. Há, ao contrário, luta, agonia prolongada no Espírito preso à Terra, que só conheceu os gozos materiais e deixou de preparar-se para essa viagem.
Entretanto, em todos os casos, a separação da alma e do corpo é seguida de um tempo de perturbação, fugitivo para o Espírito justo e bom, que desde cedo despertou ante todos os esplendores da vida celeste; muito longo, a ponto de abranger anos inteiros, para as almas culpadas, impregnadas de fluidos grosseiros. Grande número destas últimas crê permanecer na vida corpórea, muito tempo mesmo depois da morte. Para estas, o perispírito é um segundo corpo carnal, submetido aos mesmos hábitos e, algumas vezes, às mesmas sensações físicas como durante a vida terrena.
Outros Espíritos de ordem inferior se acham mergulhados em uma noite profunda, em um completo insulamento no seio das trevas. Sobre eles pesa a incerteza, o terror. Os criminosos são atormentados pela visão terrível e incessante das suas vítimas.
A hora da separação é cruel para o Espírito que só acredita no nada. Agarra-se como desesperado a esta vida que lhe foge; no supremo momento insinua-se-lhe a dúvida; vê um mundo temível abrir-se para abismá-lo e quer, então, retardar a queda. Daí, uma luta terrível entre a matéria, que se esvai, e a alma, que teima em reter o corpo miserável. Algumas vezes, ela fica presa até à decomposição completa, sentindo mesmo, segundo a expressão de um Espírito, “os vermes lhe corroerem as carnes”.
Pacífica, resignada, alegre mesmo, é a morte do justo, a partida da alma que, tendo muito lutado e sofrido, deixa a Terra confiante no futuro.
Para esta, a morte é a libertação, o fim das provas. Os laços enfraquecidos que a ligam à matéria destacam-se docemente; sua perturbação não passa de leve entorpecimento, algo semelhante ao sono.
Deixando sua residência corpórea, o Espírito, purificado pela dor e pelo sofrimento, vê sua existência passada recuar, afastar-se pouco a pouco com seus amargores e ilusões; depois, dissipar-se como as brumas que a aurora encontra estendidas sobre o solo e que a claridade do dia faz desaparecer. O Espírito acha-se, então, como que suspenso entre duas sensações: a das coisas materiais que se apagam e a da vida nova que se lhe desenha à frente. Entrevê essa vida como através de um véu, cheia de encanto misterioso, temida e desejada ao mesmo tempo. Após, expande-se a luz, não mais a luz solar que nos é conhecida, porém uma luz espiritual, radiante, por toda parte disseminada. Pouco a pouco o inunda, penetra-o, e, com ela, um tanto de vigor, de remoçamento e de serenidade. O Espírito mergulha nesse banho reparador. Aí se despoja de suas incertezas e de seus temores. Depois, seu olhar destaca-se da Terra, dos seres lacrimosos que cercam seu leito mortuário, e dirige-se para as alturas. Divisa os céus imensos e outros seres amados, amigos de outrora, mais jovens, mais vivos, mais belos que vêm recebê-lo, guiá-lo no seio dos espaços. Com eles caminha e sobe às regiões etéreas que seu grau de depuração permite atingir. Cessa, então, sua perturbação, despertam faculdades novas, começa o seu destino feliz.
A entrada em uma vida nova traz impressões tão variadas quanto o permite a posição moral dos Espíritos. Aqueles – e o número é grande – cujas existências se desenrolam indecisas, sem faltas graves nem méritos assinalados, acham-se, a princípio, mergulhados em um estado de torpor, em um acabrunhamento profundo; depois, um choque vem sacudir-lhes o ser. O Espírito sai, lentamente, de seu invólucro: como uma espada da bainha; recobra a liberdade, porém, hesitante, tímido, não se atreve a utilizá-la ainda, ficando cerceado pelo temor e pelo hábito aos laços em que viveu. Continua a sofrer e a chorar com os entes que o estimaram em vida. Assim corre o tempo, sem ele o medir; depois de muito, outros Espíritos auxiliam-no com seus conselhos, ajudando a dissipar sua perturbação, a libertá-lo das últimas cadeias terrestres e a elevá-lo para ambientes menos obscuros.
Em geral, o desprendimento da alma é menos penoso depois de uma longa moléstia, pois o efeito desta é desligar pouco a pouco os laços carnais. As mortes súbitas, violentas, sobrevindo quando a vida orgânica está em sua plenitude, produzem sobre a alma um despedaçamento doloroso e lançam-na em prolongada perturbação. Os suicidas são vítimas de sensações horríveis. Experimentam, durante anos, as angústias do último momento e reconhecem, com espanto, que não trocaram seus sofrimentos terrestres senão por outros ainda mais vivazes.
O conhecimento do futuro espiritual e o estudo das leis que presidem a desencarnação são de grande importância como preparativos à morte. Podem suavizar os nossos últimos momentos e proporcionar-nos fácil desprendimento, permitindo mais depressa nos reconhecermos no mundo novo que se nos desvenda.
Léon Denis: Livro Depois da Morte

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A expansão do homem e da inteligência

 

 

 

Charles Richet: Livro: A Grande Esperança

Primeira Parte
Por que existes?

Livro I

A expansão do homem e da inteligência

- 1 -

Por que existes?
Não és realmente curioso se nunca fizeste esta pergunta. Feliz negligência, não obstante bem singular! Pois jamais pediste para viver e a existência te foi imperiosamente imposta.
Por quem? Para quê? Por quê?
No entanto tens em parte o direito de o saber, ou pelo menos de interrogar o destino, interrompendo o curso do teu trabalho, dos teus prazeres, dos teus amores e de tuas inquietações.
Mas não! Contenta-te com viver, antes vegetar, porque viver sem refletir sobre seu destino é lamentável. Andas, dormes, comes, bebes, amas, choras, ris, estás triste ou alegre e jamais te preocupas com a sorte que esperam teus bisnetos, nem com o universo misterioso que te cerca, universo esse estranhamente colossal, do qual não és mais que um átomo. Desse mundo, apesar de tuas pretensões à ciência, não vês mais que as aparências, porque dele não compreendeste grande coisa.
Então nunca procuraste saber por que existes?
Contudo és um ente sensível, sentindo alegrias e pesares. Para que servem esses pesares? Para que servem essas alegrias? Eis aí o que seria bom saber. Eis aí o que é justo aprofundar. Mas não és curioso.
Pois bem! se não és curioso, eu o serei por ti e procurarei, sem frases vãs, ver se nossa existência, nossa mesquinha e fugaz existência tem um fim; se temos um papel a desempenhar, por pequeno que seja, neste imenso Cosmos. Tudo é possível e talvez os homens e os animais nada mais sejam do que pequenos bonecos, que uma força misteriosa, sem dúvida caprichosa, se diverte a movimentar. Seja como for, ela infligiu a todos o regalo da vida e a nós impôs a consciência. Sem nos consultar, concedeu-nos esse dom doloroso e sublime de sofrer, amar e pensar.
Podes então perguntar a essa força misteriosa: por que te ocupaste de nós? Que queres?

- 2 -

Sabemos perfeitamente, não por que, mas como nasceste. Duas pequeninas células microscópicas encontraram-se um dia (ou, antes, uma noite) numa úmida e sombria caverna e tu és o resultado dessa união silenciosa.
Ora não havia senão uma célula fêmea entre cem milhões de células machos que turbilhonavam em redor dela. O pequeno macho que teve o privilégio de penetrar a célula fêmea foste tu! Sim! já eras tu. De tal forma eras tu que nada mais poderia modificar tua forma e tua evolução.
Mais tarde cresceste, tomaste a forma de embrião, de feto, de homem. Adquiriste hábitos, ganhaste teu pão, procuraste ser amado ou amar; sentiste a sede de prazeres, de amores, de dinheiro ou de glória. As duas células, depois de unidas para formar um ente humano, seguiram uma rota longa e complicada.
Mas se um outro dos cem milhões de machos que volitavam em redor da célula fêmea tivesse tido mais apetite, se se tivesse mostrado mais ágil ou mais vigoroso, não mais serias tu quem alcançaria a inefável felicidade de desenvolver-se: seria teu irmão quem teria nascido. Portanto, bem vês que no momento fatídico do teu nascimento podiam ter nascido milhares de seres diferentes de ti.
Na verdade, tu és o resultado de um acaso prodigioso, porque nada poderia fazer prever que essa célula macho fosse a privilegiada, e certamente no teu ponto de vista pessoal é muito interessante, mas no ponto de vista geral, que tenha sido tu ou um dos milhares dos teus possíveis irmãos, isso nada significa. Para a humanidade imensa, nenhuma importância haveria se tivesse nascido um de teus irmãos, sendo um pouco maior ou menor do que tu, com o nariz mais longo ou mais curto.

- 3 -

Transponhamos, pois, o imenso passado que te precede. Cem milhares de séculos. Isso nada é do ponto de vista da eternidade do tempo.
Ainda que isto seja profundamente misterioso, a ciência pôde, mais ou menos, levantar algumas hipóteses sobre esse prodigioso passado.
Houve um tempo (bem longínquo) em que o nosso planeta ainda não existia. Mas o nosso querido Sol já lá estava, naturalmente um pouco maior e mais branco que hoje.
Esse divino Sol era, como é hoje, uma colossal massa gasosa de fogo; ele perambulava sozinho no espaço infindo sem ser acompanhado, como hoje, por um cortejo servil de planetas.
Ora, essa massa colossal de um gás em ignição era, como toda a matéria, submetida à lei da atração. Da mesma forma que os nossos oceanos, cedendo à atração lunar, têm as marés que, em dadas ocasiões, os fazem aumentar de volume, da mesma forma a massa ígnea do Sol pôde, quando um astro vizinho dela se aproximou (de algumas centenas de milhares de quilômetros (?) provocar uma formidável maré de fogo).
É, pois, provável que um astro qualquer, enorme também, seguindo seu curso errante perto do Sol, tenha provocado uma maré de fogo, de sorte que parcelas enormes da massa ígnea, atraídas pelo astro, se tenham destacado do globo solar.
Mas elas não puderam ir muito longe, pois estavam retidas pela atração solar, e, detendo-se em caminho, movidas ao mesmo tempo pela força centrípeta e a força centrífuga, puseram-se a girar sobre si mesmas, a voltear em redor do centro de onde acabavam de se desprender. Esses esferóides ígneos, prosseguindo seu curso no espaço gelado durante séculos e séculos, congelaram-se. Antes elas eram unicamente gasosas. Certas partes, pois (os metais), se liquefizeram. O esfriamento então, sendo ininterrupto, solidificou a superfície. Mas a massa central conservou-se líquida e em ignição. Portanto, hoje, a terra é uma massa líquida revestida de tênue camada sólida.
Esses fenômenos relativos à terra repetiram-se provavelmente e se repetirão em milhares e milhares de planetas, pois sabemos que a constituição química da terra é mais ou menos idêntica à dos astros. A terra é um resumo das maravilhas dos céus.
A pouco e pouco, pelo progresso do resfriamento periférico, o oxigênio e o hidrogênio (que estavam desassociados) se combinaram; o vapor de água, gasoso anteriormente, se liquefez; os mares formaram-se e (pela continuação do esfriamento gradual) na camada houve curvaturas que formaram montanhas. Daí as formas dos continentes e dos mares como se nos apresentam hoje.
Assim, pois, sobreveio (como e por quê?) uma obra maravilhosa, decisiva para nós! A vida surgiu nos mares e nos planetas.
Eis aqui, ó tu que me lês, nossa humílima origem.
Primeiramente surgiram as células simples, vegetando quer nas águas cálidas ainda, quer num solo úmido, numa atmosfera rica em ácido carbônico.
Logo em seguida essas células, com certeza inconscientemente, compreenderam que se tornava necessário viver e multiplicar-se. Já se manifestava em todo seu esplendor esse empenho do indivíduo para a vida, empenho esse que é o característico de todo ser vivo.
Ora, para viver é necessário fixar o carbono e o azoto. Essas pequenas células famélicas, aspirando fixar o azoto e o carbono, foram obrigadas a lutar sem tréguas contra suas irmãs (famélicas também) e a resistir às forcas cósmicas hostis ou indiferentes. Deram-se batalhas incessantes e por essas batalhas elas tomaram as mais diversas formas, a fim de cada vez melhor se adaptarem às condições cambiantes de suas existências. Essas formas novas de adaptação foram transmitidas a seus descendentes, de sorte que pouco a pouco as células primitivas se tornaram seres novos cada vez mais complicados.
Tanto quanto os mistérios do planeta no-lo podem ensinar, essas novas formas foram, em primeiro lugar, as plantas gigantescas, os fetos, as enormes palmeiras, cujos resíduos, acumulando-se, são para a humanidade atual um abundante manancial de energia (aliás inesgotável).
Será que o Sol, fixando essas massas de carbono combustível nas plantas de outrora, não tenha querido preparar poderosas reservas de forças nas nossas máquinas atuais? Adivinha-se facilmente que, se eu empresto ao Sol essas intenções filantrópicas, não posso considerar essa hipótese como real.
Com as plantas aparecem animais já bastante complicados, crustáceos, imensos répteis, moluscos, insetos, peixes que parecem, por uma progressão incessante e contínua, intensificar mais e mais a consciência do ser. Ora, pouco a pouco essa consciência se transforma numa inteligência. Pela consciência e inteligência o amar a vida desperta em todos os entes vivos. Quando chegam os mamíferos e quando enfim o homem aparece, neles também desperta o mesmo amor à vida e o mesmo horror à morte. E em lugar de se atenuar, esses dois instintos crescem à medida que a inteligência se desenvolve.
Ademais, quaisquer que sejam as variações das formas, com adaptações às diversas condições vitais, a geração sempre se faz pela conjunção de duas células, uma célula fêmea rodeada por inúmeras células machos. A modalidade do supremo esforço que a toda poderosa Natureza estabelece para que essas duas células possam fundir-se e perpetuar a espécie é a mesma, quer em se tratando de uma planta, de um ouriço do mar, de um cão ou de um homem.
Se em pensamento nós nos representássemos à sucessão rápida de fenômenos longínquos, globo ígneo e gasoso, mares quentes que se esfriam, continentes que se formam, plantas que se multiplicam, animais que se complicam cada vez mais, compreendemos que o mundo inerte evoluiu para a vida e que a vida evoluiu para a inteligência.
Assim, pois, a inteligência dos seres vivos se intensificou; tornaram-se estes cada vez mais inteligentes até atingir o estado atual, até se tornarem homens, isto é, seres capazes de linguagem (essa maravilha das maravilhas), capazes de inventar o cálculo integral e a geometria analítica, capazes de conhecer a composição química dos astros que se encontram a uma distância de muitos milhares de trilhões de quilômetros, capazes também de compreender as idéias abstratas, tais como a solidariedade e a justiça.
A inteligência ganhou muito, não só em profundidade, mas também em extensão. Há cem mil anos, se os homens já existissem, o que é provável, esses homens – muito próximos dos macacos – seriam bem pouco numerosos, vivendo disseminados no vale do Nilo ou nos palmeirais da Caldéia (?). Há dez mil anos, sem que se possa precisar um número qualquer, no máximo poderiam existir vinte milhões de homens (?). Hoje há três mil milhões. Cada ano a população humana, apesar de guerras infames, aumenta de quatro ou cinco milhões de almas.A terra toda está invadida pela espécie humana. Nenhuma praia deserta. Até os pólos foram conquistados. Todas as montanhas são transpostas. Todos os desertos atravessados. A expansão do gênero humano na superfície do globo terrestre é total.
Essa expansão do gênero humano é a expansão da inteligência.
Logo vemos claramente se descortinar esse grande fenômeno indiscutível: o desenvolvimento da inteligência em qualidade e quantidade; fenômeno prodigioso que não mais nos admira, porque nele vivemos e a ele nos habituamos.
E por que? Sim! Por que essa sucessão contínua de fatos, disparates na aparência, nos conduziu a esse resultado supremo: a intensificação da inteligência?
Procuremos compreender a causa de esse magnífico despertar.

- 4 -

Somente duas soluções são possíveis. Ou é o acaso ou é uma lei.
Vejamos antes a solução do acaso.
Ora, quando digo solução, não é uma solução. Ao contrário. Em bom vernáculo, acaso quer dizer que não temos solução a propor. O acaso não é em absoluto uma hipótese como as outras, é a negação de toda hipótese.
Uma moeda que atiro ao ar cai do lado da coroa e eu digo ter sido o acaso que a fez cair assim, pois ignoro absolutamente que rotações, que reviravoltas pôde ela fazer para tombar desse lado. Encontro-me na rua com meu amigo A, distante de sua residência e da minha. As causas determinantes desse encontro, no minuto exato em que eu passava, foi obra do acaso, porque ignoro por completo os motivos que lá o levaram precisamente nesse minuto. Disparo um tiro de espingarda numa perdiz que voa e um grão de chumbo quebra-lhe uma asa; é o acaso que faz esse grão de chumbo feri-la e não outro das centenas de grãos que se encontravam no cartucho.
Há pouco falei dos milhares de células machos que assaltaram a célula fêmea; foi ainda o acaso que concedeu o privilégio a essa célula e não a outra.
O acaso nada mais é do que nossa ignorância, mas também é provavelmente a ausência de leis, ou pelo menos de leis que nos sejam acessíveis. Quando as coisas evoluem por obra do acaso, elas são de uma fantasia louca, a menos que nos pareça por demais desordenadas para que a nossa ciência não tenha podido penetrar as leis. Não se pode achar a direção nem a intenção às agitações que um vôo de mosca determina no galvanômetro.
Dá-se o mesmo com a existência dos seres vivos e o desenvolvimento triunfal da inteligência. Parece que esses grandes fatos são o realce de uma direção, de uma intenção; ousarei dizer, embora a palavra seja terrivelmente antropomórfica, de uma vontade tenaz, obstinada, engenhosa, que foi durante milhares de séculos perseguida sem esmorecimento e sem desânimo.
Os pequenos acontecimentos individuais são, sem dúvida alguma, devidos ao acaso, mas o conjunto indica uma lei. Os físicos admitem que as moléculas de um gás, quando é mudada a pressão ou a temperatura, não se comportem todas da mesma maneira. Mas como se trata de um número imenso de moléculas, é absolutamente aplicável o cálculo das probabilidades e a distensão desta ou daquela em particular não é levada em conta.
Imaginai uma série de acontecimentos complexos, múltiplos, incoerentes na aparência, que, ao cabo de milhares de anos, nos encaminha progressivamente a um fenômeno superior que é a inteligência. Não temos o direito de dizer que foi por obra do acaso que essa inteligência apareceu. É quase evidente que houve aí uma lei poderosa e universal. Se dissermos que a inteligência é obra do acaso, isto é, a ausência de toda lei, então nada nos resta senão atirar às gemônias a pequena centelha cuja flama vacila em nós.
Um fenômeno inteligente não pode ter sido por obra do acaso. Tomo dois números de três algarismos, por exemplo 124 e 532. Qual será o produto? Se alguém me disser 65.968, direi que foi provavelmente um fenômeno inteligente e não por acaso que esse número exato me foi dado.
Não obstante, é de tal maneira menos intelectual do que o desabrochamento da inteligência depois de um esforço de cem mil séculos!
Vejamos um indivíduo embriagado que procura entrar em casa. Ele vai titubeante. Avança, recua. Cambaleia à direita e à esquerda, dá uns passos para frente e para trás. Contudo, apesar de seus titubeios, apesar de suas incertezas, se aproxima cada vez mais de sua casa; reconhece-a vagamente; hesita a tocar na grade e na campainha. Enfim, ei-lo em casa. Assistindo às suas oscilações, vós teríeis dito que foi o acaso quem o conduziu...Oh, não! Ele teve um confuso conhecimento das coisas e, a despeito de sua embriaguez, conseguiu atirar-se no leito.
Eis um outro exemplo. Comparemos a multidão heterogênea e confusa de seres vivos a um corpo da armada que recebeu ordem de seguir de Reims para Châlons. Os soldados avançam por caminhos diversos e marcham em celeridades que não podem ser comparadas. Alguns se extraviam nos campos, outros param nos albergues, há outros que cantam; há os que, cansados, se sentam nos barrancos; infantes, couraceiros, artilheiros, dragões, motociclistas, aviadores, tudo é dessemelhante, tudo é incoerente. Nada compreenderíamos de seus atos se só vivêssemos durante um centésimo de segundo.
Um centésimo de segundo para a marcha de uma hora é quase como um século em relação há 25.000 séculos. Que se pode saber da marcha de um corpo da armada, em um centésimo de segundo? Da mesma maneira, para a marcha da humanidade, que poderemos saber de sua evolução futura, não conhecendo mais que um século de sua vida?
Entretanto, todos os homens que assim marcham com seus fuzis, seus canhões, suas motocicletas, suas metralhadoras, seus tanques, têm um objetivo que é o de chegar a Châlons. Se para observá-los tivéssemos uma hora em lugar de um minuto, a despeito da diversidade dos caminhos, quase poderíamos conhecer a intenção do chefe que os dirige.
Pois bem! podemos imaginar de que seres vivos a terra estava coberta há um milhão de anos; os arquivos paleontológicos da terra permitem-nos sabê-lo e assim compreendermos distintamente que esse rebanho de seres, que vivia há um milhão de anos, marche para uma inteligência maior, como os soldados marcham para Châlons. Não obstante uma aparente desordem, esses seres vivos, débeis parcelas dessa inumerável coorte, avançam inconscientemente para um grande destino.
Eis aí o que é incontestável.
Não é pois o acaso: é uma lei.
Seguramente para cada um desses seres, quer sejam eles répteis ou peixes, pássaros ou mamíferos, cangurus ou homens, foi unicamente o acaso que os condicionou a uma existência individual.
Assim, pois, numa Companhia de Infantaria que segue por uma estrada, é o acaso que faz Paulo cantar, Pedro fumar, Jorge sentar-se na encosta, Henrique enxugar a fronte, Luciano parar junto a uma árvore. Mas essas irregularidades nenhuma importância têm. A coluna prossegue sua marcha, pois não vai a debandada, obedecendo antes a uma ordem expressa. Da mesma forma as irregularidades desta ou daquela espécie animal, verdadeiramente desta ou daquela nação; os atrasos do progresso final, mesmo durante alguns séculos, nada significam para o conjunto das operações do rebanho vital.
Ora por pouco que se estude a evolução (a progressão) desse rebanho vital durante milhares ou milhões de anos, vemos surgir uma real direção. Tudo se passa como se esse bizarro cortejo, que se renova incessantemente, obedecesse a uma determinada ordem.
No imenso Cosmos do qual nada mais somos que um fragmento minúsculo no espaço como no tempo, há acasos individuais, não acasos gerais, mas muitas leis como para as moléculas de um gás comprimido e como para o número de raios, a, b, g, que o rádio emite.
Por conseguinte, uma soberana lei biológica aparece claramente, a da progressão intelectual.
Bem entendido, contanto que transponhamos as centenas de séculos.
E não faço aqui alusão alguma aos outros modos misteriosos, abismais, que fremem em redor de nós. Não tomo – pelo menos no momento – senão o mundo real, mecânico, tangível, visível, abordado pelas nossas ciências clássicas. Costearei a terra sem me aventurar no desconhecido imenso do qual nada posso dizer ainda, senão que existe, sem que nem eu nem ninguém o tenha podido penetrar.
Contudo, esse mundo tangível e visível que, não obstante suas irregularidades, se dirige para um desígnio sublime, isto é, uma inteligência superior – só pode ser conduzido por uma lei, lei suprema, universal, que governa a todo o Biocosmos.
Essa lei poderia não existir? Não o creio, é o fatum dos latinos, a anangké dos gregos. Nossa inteligência não pode supor que o mundo material não seria submetido à lei da atração, que o hidrogênio não se combinaria com o oxigênio e que a vibração da luz não se propagaria com a velocidade de 300.000 quilômetros por segundo.
Assim; pois, a evolução do esferóide era fatal. Fatal seu esfriamento. Fatal seu povoamento de seres vivos. Fatal a evolução desses seres vivos para a inteligência.
Para além do mundo solar, há, sem dúvida, no imenso espaço e no infinito, antigo ou futuro, tempos, outros mundos análogos ao nosso, com uma constituição e uma evolução quase idênticas. Sim! há lá no alto milhares de planetas imensos, girando em redor de milhões de estrelas suspensas na abóbada celeste.
Pois bem! conheço unicamente um desses planetas, é a terra onde habitamos e vejo que ela é habitada por seres inteligentes. Poderei eu supor que só ela possui essa vantagem? (se é vantagem).
Façamos então uma comparação. Ela é surpreendente.
Eis um saco grosso e fechado onde se encontra um milhão de bolas, talvez de diferentes cores, que ignoro. Tiro uma ao acaso. Ela é vermelha. Não será grandemente absurdo supormos que dentre as 999.999 bolas, só haja uma vermelha?
E agora respondo (ai de mim, timidamente!) à pergunta que é o título deste capítulo: Por que existes?
Existes porque o destino, isto é, uma lei quis que vivesses. E eu te provarei agora que essa lei existe porque o destino te concedeu os meios muito eficazes de consolidar as forças ínfimas de tua ínfima individualidade.
Vejamos quais são esses meios.


Charles Richet: Livro: A Grande Esperança
Traduzido do Francês
La grande esperancê 1933Fonte: www.autoresespíritas clássicos.com/


                                                                      www.autoresespiritasclassicos.com