quinta-feira, 31 de maio de 2012

Lei de Deus









V

A INFALIBILIDADE DA LEI


A função da dor e a sabedoria da Lei.


Em nossos dois últimos capítulos falamos da Divi­na Providência e da Vontade de Deus. Dissemos tu­do aquilo não para fazer teorias, mas porque se trata de forças que dirigem a nossa vida, e que devem ser levadas em consideração se não quisermos sofrer as conseqüências. Quem quiser viver com sabedoria, sem se lançar aos mais variados perigos, evitando sofrimentos, tem de compreender que há uma Lei, sempre presente, ativa, e que é muito arriscado não a respeitar. Se já tivéssemos aprendido todas as li­ções que a Lei contém, não cometeríamos mais erros, desaparecendo assim as reações, necessárias para nos reconduzir ao caminho certo da nossa libertação. Então, deveria desaparecer também a dor, dado que a sua presença no mundo seria absurda, porque uma vez aprendida a lição, ela não teria mais função al­guma a preencher. Lembremos que a Lei é sempre boa e justa; se às vezes usa o chicote, é apenas por­que, devido à nossa dura insensibilidade, não há outro meio para nos corrigir, conduzindo-nos assim pa­ra o nosso bem.

Todos sabem, através da sua própria experiência, que a dor é ponto fundamental da nossa vida. É verdade, no entanto, que cada um, no fundo de sua alma, alimenta um sonho de felicidade. Mas, quando é que, para os poderosos como para os humildes, chega a realizar-se de fato o que mais ambicionam? Os desejos dos pobres e dos poderosos, na maioria dos casos, ficam insatisfeitos e acabam fracassando em desilusões. Todos correm atrás de miragens que nunca se realizam, e no final, tudo se apaga num en­gano. Encontra-se, porventura, no mundo alguém que esteja satisfeito? O que há de real para todos é o sofrimento.

Por que tudo isso? Quem deu origem a essa con­denação? Estamos cheios de desejos de felicidade, e apenas encontramos sofrimentos! Que maldade! E quando procuramos uma causa para tudo isso, pen­samos logo em alguém para sobre ele lançar a culpa de tanta crueldade. Culpa-se, então, Deus por ter feito obra errada ou o próximo que deveria comportar-se de outra maneira. Mas, isso nada resolve, por­que Deus permanece inatingível e o próximo sabe defender-se. Também a dor não desaparece; pelo contrário, toma-se mais dura na revolta contra Deus e na contínua luta de todos contra todos.

Continuamos, assim, todos mergulhados no mes­mo pântano: ricos e pobres, cultos e ignorantes, po­derosos e fracos. Alguns que se julgam mais astutos, procuram emergir do Pântano, amontoando riquezas, enganos e crimes, pisando os outros, para atingir a felicidade. Mas, esta é instável, porque falsa, disputa­da contra mil rivais ciosos, roída por dentro pela na­tural insaciabilidade da alma humana. E, mais cedo ou mais tarde, na luta de todos contra todos, também os poucos que emergem, acabam afundando-se e desaparecem, tragados pelo pântano comum. Que jo­go torpe é a vida! Esta seria a conclusão.

Se tivermos nas mãos u'a maquina maravilhosa, mas, pela nossa ignorância da técnica do seu funcio­namento, somente conseguirmos que ela produza pés­simos resultados, dando-nos apenas atribulações em vez de satisfação, que providências aconselharíamos para resolver o caso? As máquinas humanas, se mal usadas, por estarem em mãos inábeis e portanto des­truidoras, estragam-se e deixam de funcionar. Mas, existe uma tão perfeita que o homem não conseguiu estragar ou impedir seu funcionamento. Acontece por vezes que, pelo mau uso da máquina, não é ela que sofre, mas o mau operário, que não soube fazê-la funcionar. Assim é que surge a dor, e então há um só remédio: o de aprender a técnica do funciona­mento da máquina; a fim de fazê-la trabalhar bem, para nossa vantagem, e não mal, para nosso dano.

Esta máquina representa a Lei de Deus. Ela é também boa educadora. Qual o papel do educador? Seu único objetivo é o bem dos alunos, e nós somos os alunos da Lei de Deus. O educador não deseja vinganças, punições, sofrimentos, porque ama os seus alunos. Se estes tivessem boa vontade para ouvir e fossem bastante inteligentes, para compreender, bas­taria a explicação das grandes vantagens da obedi­ência. Mas, os alunos são rebeldes, não querem acei­tar regras de vida que não sejam as que saem das suas próprias cabeças; e, se têm inteligência, querem usá-la só para revoltar-se contra a Lei. Então que po­de fazer o educador? O fato é que os alunos não que­rem ser educados mas, antes, destruir o educador. Eles quereriam estabelecer uma república indepen­dente dentro dum Estado, uma outra máquina fun­cionando às avessas contra a máquina maior que a hospeda. É um caso parecido com o do câncer, que re­presenta uma tentativa de construção orgânica em sentido destruidor, com multiplicação celular em for­ma não-vital, mas parasitária da vida.

Então, para o educador não há outra escolha De duas, uma: para agradar, poderia não reagir, como quereríamos nós os alunos, e como acontece no caso do câncer com os organismos fracos que não sabem defender-se. Mas, neste caso, depois de ter destruído tudo, também as células destruidoras do câncer, por sua vez, hão de morrer. Ora, o educador sábio não pode permitir isto. O que lhe resta é rea­gir, impondo disciplina. Isto é duro, porém não há outro caminho. Esta tentativa de construir u'a má­quina às avessas dentro da máquina regular, ou uma república inimiga dentro de um Estado or­ganizado, ou um câncer dentro de um organismo sadio, ameaça a função de bem que o educador, custe o que custar, há de cumprir. E ele pode fazer tudo, menos renunciar a esta sua função, porque dela depende o que para ele é mais importante: o bem dos alunos. Então, se ele quer verdadeiramen­te bem a estes, O que pode fazer senão usar de disci­plina e ensinar por esse método, já que os outros, mais benignos, não deram resultado? Também as células do câncer quereriam viver. Mas somos nós, porven­tura, cruéis quando as afastamos cortando o tumor? Também os criminosos quereriam gozar a vida à sua maneira, e poderemos nós considerar-nos ruins quan­do, em defesa da sociedade, os isolamos nas prisões?

A rebeldia do homem é uma espada que ele usa contra si mesmo. A Lei impede, entretanto, sua des­truição. Ele quereria perder-se e a Lei quer levá-lo à salvação Deus perdoa porque sabe que o homem é um menino carente de ajuda; na sua inconsciência está procurando só o seu dano. Mas, Deus não pode permitir que esse dano se realize. Ele quer so­mente o nosso bem. A lição tem de ser aprendida. Disto não há que fugir, porque de outra maneira se­ria desmoronado o plano de Deus, e nós involuiriamos ao invés de evoluirmos. Cientifiquemo-nos des­tes pontos: o progresso tem de se realizar, por isso a lição tem de ser aprendida; o homem é o mesmo, não restando para o educador outro método senão o da dor. A prova desta verdade é encontrada no mundo: para os educadores e suas leis vemos acontecer o mesmo que acontece com Deus e a Sua Lei. Assim, Ele tem de salvar à força os rebeldes inconscientes.

O chicote é duro. A dor existe. Entretanto, ela não foi criada por nossa imaginação. É fato positivo que todos conhecemos. Penetra por todas as portas, sem sequer pedir licença. Não adianta ser rico, inte­ligente, poderoso. Ela sabe, toma todas as formas, adaptando-se a cada situação. Há dores feitas sob medida para os pobres, os ignorantes, os fracos, co­mo para os ricos, os homens cultos, os poderosos. Os deserdados estão cheios de inveja dos que se encon­tram acima deles, e não sabem que acima das suas dores encontram-se, às vezes, dores maiores. Será que nas mais altas camadas sociais desaparecem os defei­tos humanos? E se não desaparecem, como pode não funcionar a salvadora reação da Lei? Esta não pode abandonar ninguém, tampouco os que o mundo mais inveja, por terem subido mais alto na Terra; não po­de, porque sendo o poder deles maior, maior é a sua responsabilidade, e, por conseguinte, maior a reação da Lei. Deus pode perdoar muito mais facilmente a um pobrezinho ignorante e fraco do que àqueles que possuem recursos, conhecimento e posição de domí­nio. Aos que mais conseguem materialmente subir na vida, estão muitas vezes destinadas provas mais difíceis e dores maiores. Mas a Lei é justa e não po­de deixar ninguém fora do caminho da redenção. É  justo e lógico que a riqueza, o poder, a glória e coi­sas semelhantes pelas quais o homem primitivo tan­to luta, sejam apenas miragens que acabam na desi­lusão. A última realidade da vida continua sendo sempre a insaciabilidade do desejo e o sofrimento.

Em que impasse nos encontramos, meus amigos, pelo fato de possuirmos um desejo louco de felicida­de e termos de viver numa realidade de insatisfação e de dor! Estamos presos neste contraste. Almejamos o que nunca poderá realizar-se: a satisfação comple­ta. Mas, como se pode satisfazer completamente a insaciabilidade? Como pode assim resolver-se para nós este desejo de felicidade senão numa ilusão? Pa­rece que a felicidade está atrás dum horizonte e que basta atingido para encontrá-la. Mas quando, com o nosso esforço, o tivermos atingido, descobrimos ou­tro horizonte e pensamos que a felicidade está atrás deste último. A corrida continua assim, sem fim, atrás de uma miragem que se afasta à medida que avan­çamos. Mas, ninguém se pergunta o que quer dizer este jogo estranho, de querer encher um vazio que não se pode encher, de procurar atingir uma deter­minada meta que vai fugindo de nós à medida que nos aproximamos dela. Queremos sempre mais. Quem não possui, quer possuir; quem possui, quer possuir mais, seja isto riqueza; conhecimento, glória, poder etc. De fato, é o que vemos acontecer no mundo. O desgosto de quem não possui é a carência. A pena de quem possui é não possuir bastante ou o medo de perder o que já possui. Qualquer que seja a nossa posição, tudo tende a resolver-se no sofrimento da in­satisfação.

Mas, como é possível que a Lei, dando prova de tanta sabedoria no funcionamento do universo, pos­sa fazer, sem objetivo algum, um jogo tão cruel  o de nos condenar a essa corrida que não acaba e que parece sem sentido? E se há um sentido, qual é? Não estamos fazendo teorias, mas apenas procurando compreender o que vemos acontecer em nosso mundo, a toda hora. Pensemos um pouco. Pode o obje­tivo último da vida ser o de continuarmos satisfeitos com as comodidades materiais deste mundo? Ou tem de ser o de conquistar formas de existência em pla­nos sempre mais elevados, progredindo e aperfeiçoando-nos sempre mais? Se não houvesse a insaciabi­lidade, tudo ficaria parado na satisfação atingida, estagnado, inerte, num estado em que tudo acabaria apodrecendo. Se fosse assim, quem nos impulsionaria para a frente? Dessa maneira, deixaria de haver o movimento mais importante, que constitui a razão da existência, isto é, o deslocamento no sentido da perfeição, progredindo por meio de contínuo aperfei­çoamento. É preciso compreender que este é o esco­po da vida: a busca da própria evolução. A evolu­ção, com essa corrida que parece sem sentido, é in­dispensável para ascender; a ascensão é necessária para chegar à salvação, porque não há outro cami­nho para nos libertarmos do mal e atingirmos a ver­dadeira felicidade.

A mesma coisa se pode dizer a respeito da dor. A nossa vida baseia-se nesta dura condenação que parece de uma crueldade sem sentido. Por que isso? O mundo ocidental aceita a idéia de que a paixão de Cristo foi um meio de redenção. Que quer dizer isto? Em todas as religiões do mundo existe o concei­to de que o sofrimento é útil, que saber sofrer é vir­tude que constitui mérito. A razão deste fato é sem­pre a mesma: a dor existe porque é um meio para progredir; nele se baseia a evolução, tendo exatamente a maravilhosa função de destruir a dor. Se a dor, que todos percebem e tantas coisas ensina, é meio de evolução, a evolução é meio de salvação Tudo o que é maceração, seja dor, trabalho para criar, esforço para subir, é meio de salvação. É  gran­de erro querer parar o progresso que nos leva para Deus.

O quadro aqui apresentado parece duro, mas não contém enganos; é justo, lógico e verdadeiro. A conclusão não é a tristeza, nem o pessimismo. A por­ta para a felicidade não fica fechada, mas bem aber­ta para todos os honestos, todos os de boa vontade. Não estamos aqui para destruir, mas para construir. Se destruirmos alguma coisa é só no terreno das ilu­sões, para construirmos no terreno sólido da verdade.


Livro: A lei de Deus: Autor: Pietro Ubaldi

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