A Gênese
CAPÍTULO
XVII
PREDIÇÕES
DO EVANGELHO
1. -
Tendo vindo à sua terra natal, instruía-os nas sinagogas, de sorte que, tomados
de espanto, diziam: Donde lhe vieram essa sabedoria e esses milagres? - Não é o
filho daquele carpinteiro? Não se chama Maria, sua mãe, e seus irmãos Tiago,
José, Simão e Judas? Suas irmãs não se acham todas entre nós? Donde então lhe
vêm todas essas coisas? - E assim faziam dele objeto de escândalo. Mas, Jesus
lhes disse: Um profeta só não é honrado em sua terra e na sua casa. - E não fez
lá muitos milagres devido à incredulidade deles. (S. Mateus, cap. XIII, vv.
54-58.)
2. -
Enunciou Jesus dessa forma uma verdade que se tornou provérbio, que é de todos
os tempos e à qual se poderia dar maior amplitude, dizendo que ninguém é
profeta em vida. Na linguagem usual, essa máxima se aplica ao crédito de que alguém
goza entre os seus e entre aqueles em cujo seio vive, à confiança que lhes
inspira pela superioridade do saber e da inteligência. Se ela sofre exceções,
são raras estas e, em nenhum caso, absolutas. O princípio de tal verdade reside
numa consequência natural da fraqueza humana e pode explicar-se deste modo: O
hábito de se verem desde a infância, em todas as circunstâncias ordinárias da
vida, estabelece entre os homens uma espécie de igualdade material que, muitas
vezes, faz que a maioria deles se negue a reconhecer superioridade moral não de
quem foram companheiros ou comensais, que saiu do mesmo meio que eles e cujas
primeiras fraquezas todos testemunharam. Sofre-lhes o orgulho com o terem de
reconhecer o ascendente do outro. Quem quer que se eleve acima do nível comum
está sempre em luta com o ciúme e a inveja. Os que se sentem incapazes de
chegar à altura em que aquele se encontra esforçam-se para rebaixá-lo, por meio
da difamação, da maledicência e da calúnia; tanto mais forte gritam, quanto
menores se acham, crendo que se engrandecem e o eclipsam pelo arruído que
promovem. Tal foi e será a História da Humanidade, enquanto os homens não
houverem compreendido a sua natureza espiritual e alargado seu horizonte moral.
Por aí se vê que semelhante preconceito é próprio dos espíritos acanhados e
vulgares, que tomam suas personalidades por ponto de aferição de tudo. Doutro
lado, toda gente, em geral, faz dos homens apenas conhecidos pelo espírito um
ideal que cresce à medida que os tempos e os lugares se vão distanciando. Eles
são como que despojados de todo cunho de humanidade; parece que não devem ter
falado, nem sentido como os demais; que a linguagem de que usaram e seus
pensamentos hão de ter ressoado constantemente no diapasão da sublimidade, sem
se lembrarem, os que tal imaginam, que o espírito não poderia permanecer
constantemente em estado de tensão e de perpétua superexcitação. No contato da
vida privada, vê-se por demais que o homem material em nada se distingue do
vulgo. O homem corpóreo, que os sentidos humanos percebem, quase que apaga o
homem espiritual, do qual somente o espírito se percebe. De longe, apenas se veem
os relâmpagos do gênio; de perto, veem-se as paradas do espírito. Depois da morte,
nenhuma comparação mais sendo possível, unicamente o homem espiritual subsiste
e tanto maior parece, quanto mais longínqua se torna a lembrança do homem
corporal. É por isso que aqueles cuja passagem pela Terra se assinalou por
obras de real valor são mais apreciados depois de mortos do que quando vivos.
São julgados com mais imparcialidade, porque, já tendo desaparecido os
invejosos e os ciosos, cessaram os antagonismos pessoais. A posteridade é juiz
desinteressado no apreciar a obra do espírito; aceita-a sem entusiasmo cego, se
é boa, e a rejeita sem rancor, se é má, abstraindo da individualidade que a
produziu. Tanto menos podia Jesus escapar às consequências deste princípio,
inerente à natureza humana, quanto pouco esclarecido era o meio em que ele vivia,
meio esse constituído de criaturas votadas inteiramente à vida material. Nele,
seus compatriotas apenas viam o filho do carpinteiro, o irmão de homens tão
ignorantes quanto ele e, assim sendo, não percebiam o que lhe dava
superioridade e o investia do direito de os censurar. Verificando então que a
sua palavra tinha menos autoridade sobre os seus, que o desprezavam, do que
sobre os estranhos, preferiu ir pregar para os que o escutavam e aos quais
inspirava simpatia. Pode-se fazer ideia dos sentimentos que para com ele
nutriam os que lhe eram aparentados, pelo fato de que seus próprios irmãos,
acompanhados de sua mãe, foram a uma reunião onde ele se encontrava, para dele
se apoderarem, dizendo que perdera o juízo. (S. Marcos, cap. III, vv. 20, 21 e
31 a 35. - O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIV.) Assim, de um lado, os
sacerdotes e os fariseus o acusavam de obrar pelo demônio; de outro, era
tachado de louco pelos seus parentes mais próximos. Não é o que se dá em nossos
dias com relação aos espíritas? E deverão estes queixar-se de que os seus
concidadãos não os tratem melhor do que os de Jesus o tratavam? O que há de
estranhável é que, no século dezenove e no seio de nações civilizadas, se dê o
que, há dois mil anos, nada tinha de espantoso, por parte de um povo ignorante,
é mais estranho no século dezenove entre nações civilizadas...
A
Gênese Allan Kardec
Repassando...
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