sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Explicação do Fenômeno da Lucidez

As percepções que ocorrem no estado sonambúlico, sendo de
uma outra natureza do que aquelas do estado de vigília, não
podem ser transmitidas pelos mesmos órgãos. É constante
que, neste caso, a visão não se efetue pelos olhos que, aliás,
estão geralmente fechados, e que se pode mesmo pôr ao
abrigo dos raios luminosos de maneira a afastar toda suspeita.
A visão à distância, e através de corpos opacos, exclui, além
disso, a possibilidade do uso dos órgãos ordinários da visão. É
preciso, pois, de toda necessidade, admitir no estado de
sonambulismo, o desenvolvimento de um sentido novo, sede
de faculdades e de percepções novas que nos são
desconhecidas, e das quais não podemos nos dar conta senão
por analogia e pelo raciocínio. Para isso, se concebe, nada de
impossível; mas qual é a sede desse sentido? É o que não é
fácil de determinar com exatidão. Os próprios sonâmbulos
não dão, a esse respeito, nenhuma indicação precisa. Ocorre
que, para melhor verem, aplicam os objetos sobre o epigastro,
outro sobre a fronte, outro sobre o occipital. Esse sentido não
parece, pois, circunscrito num lugar determinado; é certo,
contudo, que a sua maior atividade reside nos centros
nervosos. O que é positivo é que o sonâmbulo vê. Por onde e
como? É o que ele mesmo não pode definir.
Notemos, no entanto, que, no estado sonambúlico, os
fenômenos da visão e as sensações que o acompanham, são
essencialmente diferentes daquele que ocorre no estado
ordinário; também não nos serviremos da palavra ver senão
por comparação, e na falta de um termo que, naturalmente,
não temos para uma coisa desconhecida. Um povo de cegos
de nascença, de nenhum modo, teria palavra para exprimir a
luz, e relacionaria as sensações que ela faz sentir a alguma
daquelas que compreende porque a ela está submetido.
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Procurou-se explicar a um cego a impressão viva e brilhante
da luz sobre os olhos. Eu compreendo, disse ele, é como o
som da trombeta. Um outro, um pouco mais prosaico, sem
dúvida, a quem se quis fazer compreender a emissão dos
raios em feixes ou cones luminosos, respondeu: Ah! sim; é
como um objeto de forma cônica. Estamos nas mesmas
condições com respeito à lucidez sonambúlica; somos
verdadeiros cegos, e, como estes últimos para a luz, nós a
comparamos àquilo que, para nós, tem mais analogia com a
faculdade visual; mas se quisermos estabelecer uma analogia
absoluta entre essas duas faculdades e julgar uma pela outra,
necessariamente, nos enganaremos como os dois cegos que
acabamos de citar. Está aí o erro de quase todos aqueles que
procuram, supostamente, se convencer pela experiência;
querem submeter a clarividência sonambúlica às mesmas
provas que da visão comum, sem sonhar que não há relações
entre elas a não ser o nome que lhes damos, e como os
resultados não respondem sempre à expectativa, acham mais
simples negar.
Se procedermos por analogia, diremos que o fluido magnético,
espalhado por toda a Natureza, e do qual os corpos animados
parecem ser os principais focos, é o veículo da clarividência
mediúnica, como o fluido luminoso é o veículo das imagens
percebidas pela nossa faculdade visual. Ora, do mesmo modo
que o fluido luminoso torna transparente os corpos que
atravessa livremente, o fluido magnético, penetrando todos
os corpos sem exceção, não há, de nenhum modo, corpos
opacos para os sonâmbulos. Tal é a explicação, a mais
simples e a mais natural, da lucidez, falando do nosso ponto
de vista. Nós a cremos justa, porque o fluido magnético,
incontestavelmente, desempenha um papel importante nesse
fenômeno; ela, entretanto, não poderia dar conta de todos os
fatos. Há uma outra que os abarca a todos, mas à qual
algumas explicações preliminares são indispensáveis.
Na visão a distância, o sonâmbulo não distingue um objeto ao
longe como poderíamos fazê-lo através de um binóculo. Não é,
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de nenhum modo, esse objeto que se aproxima dele por uma
ilusão óptica, É ELE MESMO QUE SE APROXIMA DO OBJETO.
Ele o vê precisamente como se estivesse ao lado dele; ele
mesmo se vê no lugar que observa; em uma palavra, ele se
transporta. Seu corpo, nesse momento, parece aniquilado,
sua palavra é mais abafada, o som de sua voz tem alguma
coisa de estranha; a vida animal parece se extinguir nele; a
vida espiritual está toda inteira no lugar onde o seu
pensamento o transporta; só a matéria fica no mesmo lugar.
Há, pois, uma porção de nosso ser que se separa de nosso
corpo para se transportar, instantaneamente, através do
espaço, conduzida pelo pensamento e a vontade. Essa porção,
evidentemente, é imaterial; de outro modo, ela produziria
alguns efeitos da matéria; é a essa parte de nós mesmos que
chamamos a alma.
Sim, é a alma que dá ao sonâmbulo as faculdades
maravilhosas das quais goza; a alma que, em circunstâncias
dadas, se manifesta se isolando em parte e
momentaneamente de seu envoltório corporal. Para quem
observou atentamente os fenômenos do sonambulismo em
toda a sua pureza, a existência da alma é um fato patente, e
a idéia de que tudo se acaba em nós com a vida animal é,
para ele, uma insensatez demonstrada até à evidência;
também se pode dizer, com alguma razão, que o magnetismo
e o materialismo são incompatíveis; se há alguns
magnetizadores que parecem se afastar dessa regra, e que
professam doutrinas materialistas, é que não fizeram, sem
dúvida, senão um estudo muito superficial dos fenômenos
físicos do magnetismo, e que não procuraram seriamente a
solução do problema da visão a distância. Qualquer que ele
seja, jamais vimos um único sonâmbulo que não estivesse
penetrado de um profundo sentimento religioso, quaisquer
que possam ser as suas opiniões no estado de vigília.
Retornemos à teoria da lucidez. A alma, sendo o princípio das
faculdades do sonâmbulo, é nela que reside, necessariamente,
a clarividência, e não em tal ou tal parte circunscrita de nosso
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corpo. É porque o sonâmbulo não pode designar o órgão
dessa faculdade como designaria o olho para a visão exterior:
ele vê por todo o seu ser moral, quer dizer, por toda a sua
alma, porque a clarividência é um dos atributos de todas as
partes da alma, como a luz é um dos atributos de todas as
partes do fósforo. Por toda a parte, pois, onde a alma pode
penetrar, há clarividência; daí a causa da lucidez através de
todos os corpos, sob os envoltórios mais espessos e em todas
as distâncias.
Uma objeção se apresenta, naturalmente, a esse sistema, e
devemos nos apressar em responder a ela. Se as faculdades
sonambúlicas são as mesmas da alma liberta de sua matéria,
por que essas faculdades não são constantes? Por que certos
sujeitos são mais lúcidos do que outros? Por que a lucidez é
variável no mesmo sujeito? Concebe-se a imperfeição física
de um órgão; não se concebe a da alma.
A alma se liga ao corpo por laços misteriosos, que não nos
fora dado a conhecer antes que o Espiritismo nos tivesse
demonstrado a existência e o papel do perispírito. Tendo essa
questão sido tratada de maneira especial na Revista e nas
obras fundamentais da Doutrina, não nos deteremos mais
aqui; limitamo-nos a dizer que é pelos nossos órgãos
materiais que a alma se manifesta ao exterior. Em nosso
estado normal, essas manifestações estão naturalmente
subordinadas à imperfeição do instrumento, do mesmo modo
que o melhor operário não pode fazer uma obra perfeita com
más ferramentas. Por admirável que seja, pois, a estrutura de
nosso corpo, que ele haja tido a previdência da Natureza em
relação ao nosso organismo para o cumprimento de suas
funções vitais, há distância desses órgãos, submetidos a
todas as perturbações da matéria, à sutileza de nossa alma.
Por muito tempo, pois, que a alma se prenda ao corpo, sofre lhe
os entraves e as vicissitudes.
O fluido magnético não é a alma, é um laço, um intermediário
entre a alma e o corpo; é pela sua maior ou menor ação
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sobre a matéria que torna a alma mais ou menos livre; daí a
diversidade das faculdades sonambúlicas. O sonâmbulo é o
homem que não está desembaraçado senão de uma parte de
suas vestes, e cujos movimentos são ainda constrangidos por
aquelas que lhe restam.
A alma não terá sua plenitude e inteira liberdade de suas
faculdades, senão quando houver sacudido os últimos cueiros
terrestres, como a borboleta sai de sua crisálida. Se um
magnetizador fosse tão potente para dar à alma uma
liberdade absoluta, o laço terrestre seria rompido e a morte
disso seria a conseqüência imediata. O sonambulismo nos faz,
pois, colocar um pé na vida futura; ele afasta um lado do véu
sob o qual se escondem as verdades que o Espiritismo nos faz
entrever hoje; mas não a conheceremos, em sua essência,
senão quando estivermos inteiramente desembaraçados do
véu material que a obscurece neste mundo.
A segunda vista
Obras Póstumas: Alan Kardec

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