sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um Destino seguindo Cristo

                                         O calvário de um idealista


Nestas pesquisas permanecemos no terreno positivo.  A evolução é um fato aceito. Que ela caminha em direção à espiritua­lidade é uma verdade amplamente demonstrada. O conceito de evo­lução implica no de vários planos biológicos e a possibilidade da existência de seres mais ou menos adiantados, situados nesses ní­veis. É lógico que quanto mais se sobe, tanto mais eles se tornam seres pensantes e que aumente o seu conhecimento em proporção ao seu grau de evolução.
Em nosso ambiente terrestre, é conhecida a telepatia. Não há razão para que tal fenômeno de transmissão do pensamento não se deva verificar também fora do restrito campo terreno no qual o vemos funcionar. Não se pode negar "a priori" a possibilidade de uma comunicação telepática entre seres pensantes situados em diversos planos de evolução.
Tal hipótese é corroborada pelo fato de que este processo se demonstra útil aos fins da evolução, que se aproveitaria da inteligência  e conhecimento conquistados pelos mais avançados para colocá-los, —- com a finalidade de ensinamento e como guia de orientação, —  no nível e à disposição dos menos avançados. Outra confir­mação é que na Terra é conhecido — e historicamente tem funcio­nado —  o fenômeno da intuição, da inspiração profética, tanto que delas derivou a revelação, acontecimento espiritual de tal impor­tância que constitui as bases das nossas religiões, nas quais é Deus quem fala. Quando se diz que estas vozes descem do Alto. enten­de-se que provêm de seres situados em superiores planos de existên­cia, de pleno acordo com a teoria da evolução. Este tipo de trans­missão telepática, que aqui estamos observando a propósito da Obra, já existe, portanto, nos hábitos de nosso mundo espiritual. Assisti­mos finalmente ao fato de que a ciência está utilizando largamente tal sistema de transmissão por radiação, com a televisão, as trans­missões de imagens da lua, o rádio etc. Mais tarde a transmissão do pensamento como energia radiante será fato positivamente averiguado.
Do conjunto destas constatações se deduz não ser absurdo pensar que a vida utilize também o meio de transmissão telepática para realizar, dessa forma, o fenômeno da evolução, para ela importantíssimo, com a técnica da descida dos ideais aqui examinada.
Foi neste sentido que falamos da Obra-centro, isto é, co­mo meio de evolução e tentativa daquela descida de ideais. Mas, se quisermos ou não admitir as suas origens super-normais, perma­necerá o fato positivo da existência desta Obra e das soluções que ela oferece para muitos problemas do conhecimento que até agora eram insolúveis. Este já é um resultado que a torna útil conforme os fins a que ela se propõe. Aqui desejamos esclarecer que por Obra-centro entendemos: centro apenas como sistema conceitual e espiritual, não o sendo, em sentido algum, o instrumento terreno que a compilou. Aliás, esta sua posição de nulidade perante o va­lor da Obra, a sua firme vontade de não se fazer chefe terreno de nenhum grupo humano e de seus interesses foram muitas vezes de­clarados (cfr. Vol. Profecias, "Gênese e Origem da Segunda Obra"). para que não pudessem surgir quaisquer dúvidas a este respeito. Tivemos de insistir neste conceito, porque esta superioridade, toda espiritual e impessoal da Obra, valorizada sobretudo por ser posta a serviço dos outros, foi muitas vezes entendida como uma afirmação de supremacia humana individual por parte do instrumento  Assim, ele foi condenado por alguns, que deram prova de não ter compre­endido coisa alguma do que, efetivamente, estava acontecendo.
Infelizmente, cada um não tem outro meio para julgar, senão a forma mental que possui, conforme o seu nível evolutivo e dela é difícil sair. É  natural: quem pensa de certa maneira vê tudo com sua ótica, mesmo que não corresponda de fato à realidade­ O que vemos não depende somente do objeto observado, mas dos olhos que usamos para observá-lo. Neste caso existe um centro de tipo espiritual em cujo campo de forças se puseram a girar ele­mentos de sinal oposto. Mas os olhos comuns não vêem as coisas espirituais senão enquanto revestidas de forma material. Neste caso tal forma era representada pelo instrumento humano daquele cen­tro. Trocaram-no pelo centro, enquanto este era somente a Obra; confundiram-no com a idéia e começaram a circular em volta dele, como se ele, e não a idéia, fosse o centro, como se a veste fosse a pessoa, o tradutor fosse o autor, ou o meio de expressão constituís­se o conceito expresso. Tínhamos, assim, uma situação completa­mente invertida. Outra coisa ainda: os elementos periféricos não po­diam fazer, porque não tinham olhos para ver a idéia, mas somen­te a sua forma.
Assim aconteceu: o ponto em volta do qual se movimentaram não era um centro. mas pseudocentro. Como cidadãos do AS não po­diam ver as coisas senão pelo avesso e procurar inverter o centro espiritual, concebendo-o como matéria, conforme a sua forma men­tal. Atribuíram-lhe as características do plano humano, como egoísmo, avidez de domínio e semelhantes. Eis a que erros se pode chegar julgando as coisas do espírito com a psicologia corrente. Assim, se deixou de observar o fenômeno principal de natureza espiritual, como também se deu mais atenção à parte menos impor­tante, em detrimento do próprio fenômeno. Somente a uma parte de sua manifestação, e deste modo observada, foram atribuídas as características que eles estão habituados a perceber.
Trata-se de uma visão sem muita profundidade. Esboça-se. então, o movimento rotatório. Mas ele não é senão o desordenado amontoar das borboletas em torno da luz, da gente atraída pelo ba­rulho, isto é, um agrupamento caótico, que não se organiza e esta­biliza num sistema. Isto pode verificar-se somente ao redor de um verdadeiro centro por parte de elementos que tenham olhos para vê-lo e mente para compreendê-lo. Assim se explica este mal-enten­dido. Ele é natural no caso da descida dos ideais, porque se trata do abaixamento de um nível evolutivo superior até outro inferior. E o que está mais em baixo é incapaz de compreender o que se en­contra mais em cima. O remédio é um só: ver a parte espiritual em lugar da material e pôr-se ordenadamente a girar à volta do ver­dadeiro centro no plano espiritual, em vez de o fazer desordenadamente em torno de um pseudocentro no plano material. Procurar, então, a potência no espírito e não nos meios humanos. Este é e segredo da força.
Da natureza dos elementos do fenômeno deriva outro mal-entendido, dado pela mesma incapacidade de compreender. Como alguns puderam ver na afirmação espiritual da Obra uma vontade de determinação terrena por parte do seu instrumento, assim a atual oferta da Obra pode ser entendida em sentido material e não espiri­tual, não como a dádiva de uma idéia para assimilar, a fim de me­lhorar o próprio tipo biológico, colocando-se evolutivamente mais no alto não como uma oferta espiritual, mas como uma cessão de pro­priedade e de direitos de exploração de uma idéia para extrair-lhe vantagens materiais: uma utilidade concreta. No entanto, na con­ferência fala-se de herdeiros espirituais e de oferta simbólica  Mes­mo neste caso o mal-entendido pode ser completo, dependendo igualmente da diversa forma mental usada na maneira de julgar. Dada a natureza dos elementos em campo, não podia acontecer de outra forma. Aqui, não podemos senão fazer constatações, embora neces­sárias, para compreender o desenvolvimento do fenômeno e vivê-lo sob sua orientação, conhecendo-lhe o funcionamento e, deste modo, prever os seus futuros desenvolvimentos. Pode-se, neste caso., con­trolar experimentalmente o modo pelo qual se verifica o fenômeno da descida dos ideais.
Estamos no momento em que o míssil desce em direção à Terra, entra na atmosfera e se incendeia. Encontramo-nos na última fase do fenômeno, no plano humano, onde se trava a luta pela sucessão. Então, não há mais Cristo, mas o papado e o Vaticano, que lutam para conquistar e manter o poder; não existe mais o santo, mas a ordem religiosa, que em seu nome administra a vida de uma comunidade. Ao iniciador se substitui o grupo dos seguidores, que o utilizam para os seus próprios fins. Termina o trabalho no plano espiritual e em seu lugar aparece a administração, a burocracia, en­trando-se na fase da autoridade, das leis e regulamentos, da adapta­ção à realidade material. A idéia materializa-se de forma concreta, com templos, obras, instituições etc. Porque agora desceu à Terra. ela deve tomar um corpo, mas como faz a alma em nosso organis­mo animal. Começa a exploração, a degradação, até que, pelo uso da idéia, se consome a pureza do seu impulso de origem; corrom­pe-se e torna-se inutilizável pela série das adaptações que a torce­ram, ficando agora sepultada sob as superestruturas humanas. Neste momento, desce ao mundo outra idéia para recomeçar desde o prin­cípio, percorrendo o mesmo caminho, cumprindo-se a mesma fun­ção, e assim por diante, em ondas sucessivas, operando na humani­dade uma transformação em sentido evolutivo.
Esta descida é como a queda de uma estrela luminosa que se projeta nas águas do oceano. O momento que aqui observamos é o dessa queda. À idéia se substitui o grupo que a representa. Este a incorpora, e ela passa a ser o grupo, que é o seu corpo humano. Esta é a primeira fase de sua realização na Terra, e nela agora nos encontramos no caso tomado em exame. Estamos no mundo, no pólo oposto ao do ideal; estamos em baixo, onde reinam, em vez de obediência e ordem, a revolta e a desordem. Assim, a primeira ne­cessidade que surge ao descer a este plano é formar e defender um centro de disciplina e de ordem. Para que seja possível um regime de liberdade, é necessário o estado de consciência e coordenação próprios níveis mais evoluídos. Num ambiente de insubordina­ção egocêntrica, a liberdade é anarquia, conduzindo à dispersão e à destruição. Em nosso planeta dada a sua natureza, surge subita­mente a necessidade de impor a ordem com uma regra. E por isso que a cada passo encontramos leis que traçam as normas de condu­ta e se fazem valer por meio de sanções punitivas. Tendo em vista que o homem é naturalmente rebelde, levado a abusar de tudo, e preciso em primeiro lugar enquadrá-lo dentro dos limites exigidos pela ordem. Eis que, ao lado da lei, surge, subitamente, um seu sis­tema defensivo que lhe fecha as evasões e lhe garante a aplicação. Infelizmente, numa selva povoada de animais ferozes não se pode ir ao seu encontro de braços abertos para amá-los, mas faz-se mister estar armado e ameaça-los de morte, se não se quiser ser morto por eles. Esta é a lei de nosso meio, e a ela o ideal não pode deixar de se sujeitar,. se quiser civilizá-lo.
         A descida de um ideal ao nosso plano inferior de vida constitui um retrocesso. Esse ideal deve ser fechado dentro dos estreitos horizontes de um mundo que nem sequer suspeita a existên­cia de outros mais vastos, e cuja sapiência consiste em desfrutá-lo para fins terrenos, com a astúcia, que dele faz uma máscara para melhor enganar o próximo, assaltando-o para ser o vencedor. É com esta forma mental que o ideal se encontra constrangido a cho­car-se. De fato, ele pretende iluminar e educar, mas se acha peran­te um mundo de rebeldes que lhe resistem, porque querem, ao con­trário, impor o próprio eu. Eis porque o ideal, para não se destruir nem ficar prejudicado, deve armar-se de normas reguladoras que imponham a obediência através do meio de que dispõe o homem para melhor compreendê-lo. Nasce, assim, o inferno, a galera do espírito, semelhante àquela criada por nós, porque só assim o ideal civilizador pode sobreviver e funcionar em nosso inundo, onde a tendência é virá-lo pelo avesso para colocá-lo a seu serviço.
O ideal é um centro. Mas, para poder funcionar como tal em relação aos seus satélites, não pode deixar de levar em conta a natureza deles, que é a de um plano biológico inferior. Para que eles possam colocar-se na órbita daquele centro, é necessário um estímulo que os faça sentir-se no seu nível, impulso a eles adaptado e proporcionado. Aquilo que exige e mais apreciam é uma prova de força, porque para eles isto é o que mais vale e merece respeito. Este é o tipo de superioridade que eles compreendem, ou seja, não a inteligência ou a bondade mas a imposição do domador. Quem não possui, ou não usa estes meios, para eles não é forte, não vale, portanto não pode ser centro. Eis como nas religiões nasceu a idéia de um Deus armado de vingança contra os rebeldes. Não existe ou­tro modo para fazer-se compreender por involuídos. Quem não usa tais expedientes é um indivíduo bom, isto é, um fraco, porque um tipo bom não é forte, não reage infligindo penas que fazem valer a sua vontade. Então, ele é escarnecido, como aconteceu com Cristo, que não quis reagir.
Na Terra, sem sanção punitiva, não há poder nem autori­dade  Para que serve a bondade em nosso mundo de luta senão para que nos aproveitemos dela, a fim de explorar o bem e subme­tê-lo? Ai do indivíduo que, em um momento de cansaço confiante, abandona-se aos braços do próximo.            Encontrará, então, uma fileira de salvadores e libertadores que lhe retribuirão o abraço fraternal e amorosamente o espoliarão de tudo. A primeira coisa de que neces­sita um ideal ao descer à Terra é a sua defesa contra os assaltos da força  da mentira, é a jaula da disciplina dentro da qual deve en­quadrar direitos e deveres. O anjo, se quiser sobreviver em nosso mundo e nele trabalhar, deve induzir o homem a um regime de ordem, usando os meios à sua compreensão, isto é, os da Terra e não os do céu.
Apliquemos agora esses princípios gerais no caso parti­cular de nosso protagonista. Hoje o autor terreno da Obra é velho, está terminando a sua missão e vai-se embora. Ofereceu ao mundo o fruto do seu trabalho. A Obra, por sua vez, se encontra em uma nova fase do seu caminho, diferente das precedentes, isto é, no mo­mento em que o ideal desce à Terra e toma contato com um plano diverso do seu. Mas pela própria natureza do mundo, não se estra­nha que a oferta possa vir a ser entendida como um convite a dela se tomar posse, como uma simples aquisição em sentido material e não espiritual, podendo despertar uma cupidez bem terrena, co­mo acontece quando surge uma herança, ou um lugar se torna va­go e se abre a sucessão ao poder. É necessário imediatamente tudo definir e disciplinar, porque já não estamos no céu, mas na Terra. onde o mais urgente é estabelecer a ordem para evitar abusos.
Quem fez a Obra disse claramente que se tratava de uma oferta simbólica e de herdeiros espirituais, o que significa a dádiva de uma idéia e não uma cessão de negócios. Isto é evidente, por­que os legítimos herdeiros neste sentido já existem. Este problema está portanto, automaticamente, por lei, já resolvido. Depois, uma vez que a Obra não é uma mercadoria — e a sua oferta foi espiri­tual — querer colocar o problema no terreno econômico e comer­cial significa, por parte dos que acabaram de chegar, deslocar a questão. Quando se dedica um livro a alguém, ao destinatário não cumpre por isso apossar-se da edição para fazer dela um negócio.
Não podíamos deixar de nos encontrar, também neste caso, perante a tentativa habitual, acima explicada, de emborcamento que se verifica, sempre que um ideal desce à Terra. No entanto, tudo isso foi previsto, e a nossa atitude anterior, diametralmente oposta, previu esses fatos. Portanto, o que aconteceu hoje não é novidade, mas foi há muito tempo definido na Obra, dado que faz parte da sua orientação geral. Desde um dos primeiros volumes da Obra, Ascese Mística (cfr. cap. XIII - Segunda Parte - "Minha Posição") já tinham sido expostos estes princípios diretivos. Quem tiver dúvidas pode reler aquele trecho. Estávamos então apenas no início de todo o trabalho. Depois o livro foi condenado pelo Índex, tribunal hoje desaparecido. Naquele capítulo foi dito: "Nenhuma posse (. . . .), nada que possa solicitar os baixos instintos e excitar a sempre demasiadamente rápida resposta dos inferiores instintos do homem comum; nenhum cheiro de dinheiro, que tanto atrai os ávidos e sórdidos mascarados (. . . .). Esta é a minha garantia (.  .). Esta é a minha força em face do mundo".
Repetimos estas palavras, em 1955, na Introdução ao livro Profecias, acrescentando: "Desejo que se compreenda claro e sem equívoco o meu método, que é de nunca procurar dinheiro, de nun­ca pedi-lo, de nunca organizar propaganda, comissões etc., para re­colher dinheiro. Quem o fizer em meu nome, fá-lo sem o meu con­sentimento, contra a minha vontade e a seu risco e perigo". O te­ma foi retomado na conferência "O Nosso Caminho" (1957), na qual se diz: (. . . .), "devemos fugir da dependência dos bens ma­teriais, porque a sua tendência é conduzir a Obra pela via dos en­ganos e, assim, da falência (. . . .), as grandes coisas fazem-se sem dinheiro (. . .), os meios materiais estão colocados no último lugar da Obra  (. . . .), começa-se com uma grande propaganda e faz-se uma campanha para recolher fundos (. . . .), forma-se, assim, uma montanha de interesses individuais a quem tudo importa menos a Obra (. . . .), os que mais são atraídos pelo cheiro do dinheiro são os desonestos e os interesseiros (. . . .). Tudo o que fizemos com o nosso trabalho sem o barulho da propaganda, campanhas ou reco­lhimento de fundos". Por fim desenvolvemos amplamente este tema no volume: A Grande Batalha (1958).
Pode-se usar um regime de liberdade quando a disciplina é espontânea conseqüência de uma convicção de autocontrole. Só quando ela já existe interiormente, não é necessário que seja im­posta do exterior. Mas, quando a disciplina interna não existe, a liberdade pode tornar-se abuso e por isso aquela disciplina deve ser invocada. Então, é necessária a exata definição dos direitos e deve­res, e respectivas posições. Assim, não se pode admitir que os es­tranhos à Obra possam aproveitar-se da liberdade para substituir com as suas próprias finalidades, às da Obra e as dos seus legítimos herdeiros. Em primeiro lugar, seria preciso ter confiança nos novos elementos, a qual só se adquire dando-se prova de merecê-la.
Os atalhos para chegar mais rapidamente, sem fadiga, não constróem coisa alguma. É repetido e abusado nas religiões o mé­todo humano de se deslocarem as posições do plano espiritual para o econômico e político, transformando-o, assim, num meio de do­mínio. É antigo o processo de administrar em nome do dono, para acabar apossando-se da sua autoridade e meios. É velha a indústria do santo, glorificado pelas suas virtudes e martírio, e depois utili­zado como bandeira com a qual se esconde o prosperar dos interes­ses de um grupo de seguidores. Fenômeno humano de todos os tempos e lugares. A isto pode servir o ideal quando desce à Terra. Parece que, num ambiente de luta, não possa acontecer de outra maneira. A culpa está no baixo nível evolutivo de nosso meio hu­mano. Esse é ainda o método vigente. Aqui, mesmo se por este motivo tivermos de ir contra a corrente, se for preciso lutar para não seguir tal processo, lutaremos, porque isso poderia acontecer com a Obra. Quem quiser levar a sério o que é do céu não pode deixar de se encontrar fora do trilho sobre o qual caminham as coi­sas da Terra. Mas esta revolta contra o mundo, que se respira em cada página da Obra, é realmente a sua maior força, a força do céu, aquela que a fará vencer.
É  nesta fase do fenômeno que se inicia o calvário do idea­lista. Enquanto fazia o seu trabalho, ele vivia na embriaguez que lhe dava o contato com o seu mundo superior, para ele como a sua própria casa, onde podia viver conforme a sua natureza. Mas, terminado o trabalho, se não se apressar a morrer, deverá assistir à degradação do ideal, isto é, ao seu emborcamento no plano huma­no. Aparecem, então, os mercadores do templo. A crucificação de Cristo torna-se Estado pontifício, a pobreza de São Francisco trans­forma-se num convento que vale milhões. Esta é a técnica do fe­nômeno da descida dos ideais à Terra. Em geral o idealista já mor­reu e não é obrigado a ver tudo isso. Mas, se não tem essa sorte, ele deve suportar o tormento de ver assim tratado e a isto reduzido o fruto da sua vida. Nos honestos nasce, então, uma revolta, como a de Cristo, que perdoou aos seus crucificadores, mas não aos vendilhões do templo. É  uma revolta que nasce irresistivelmente ao  ver assim tratadas as coisas sagradas.
Somos invadidos pela tristeza, quando, depois de tantos sonhos e esperanças, depois de tantos impulsos em direção ao Alto, constatamos esses resultados ao se tentar elevar também os outros. O que havia acontecido, por ocasião da primeira renúncia evangéli­ca ao patrimônio terreno, com o voto de pobreza, repetia-se agora, nesta segunda doação do patrimônio espiritual, concluindo com o mesmo assalto e destruição. É  duro estar sempre a oferecer e en­contrar todas as vezes o mesmo tipo de homem, na sua mesma in­saciável avidez. E, quanto mais se oferece, tanto mais verificamos que vêm ao nosso encontro as goelas devoradoras da voracidade hu­mana. Pode-se dizer à vontade, na Terra, que se ama o próximo. É perigoso amá-lo de verdade. E quem isso tentar fá-lo-á com risco e perigo, porque a lei aqui é lutar para vencer e dominar. Será possível que se deva sempre suportar a condenação de viver entrincheirado em castelos cercados de egoísmo, armado contra todos? Se­rá possível que, em nosso mundo, não se possa viver senão na amar­gura das portas fechadas como em uma prisão?
Eis que no país que eu amo já aconteceu que, na metade da Obra, ela foi dilacerada. A marca ficou. Agora, quando ela se conclui, novamente se tentou despedaçá-la, e esse vestígio permane­cerá nestas páginas. Embora depois isso tenha sido impedido de realizar-se, é triste ver que a oferta haja sido assim interpretada por alguns e fosse tratada deste modo a coisa que mais se quer na terra e mais se ama. Já a nova juventude começou a fazer as contas com os métodos da velha geração e assim se sujeitou a um julgamento. Quantos pecados o homem mais civilizado do futuro não encontrará no mundo atual, que julga estar procedendo com consciência, de acordo com a própria moral! Como será denunciado este tratamento sofrido pelo idealista, culpado de pretender fa­zer progredir um pouco os seus semelhantes!  Compreender-se-à como também, em pleno século XX, tenha havido calvários e cru­zes e como isso haja deixado a sociedade indiferente, como noutros tempos os suplícios deixavam apático o meio social de então.
Para poder oferecer, teve de ser reduzido à pobreza para poder continuar a produzir, teve de pedir esmola na contínua incer­teza do amanhã e, apesar de tudo, realizando um grande trabalho sem compensação alguma. Depois ver o fruto de tudo isso a servi­ço de outros grupos, por estes repelidos, anteriormente, porque não utilizável, para em seguida, interessar-lhes muito, já que com a ofer­ta surgira a possibilidade de se apossarem dele. Eis o que pode ser hoje, na Terra, o calvário de um idealista. Para poder publicar a Obra, sem nenhum lucro, que seria necessário para viver, primeiro tinha de vencer o assalto da cupidez dos editores, depois pedir aju­da por compaixão e dar-se por feliz por ter conseguido publicá-la, sem que a Obra fosse confiscada por aqueles grupos e subjugada aos seus interesses; eis a "via crucis" de quem luta para construir um mundo melhor. E triste ver que, neste mundo, não existem verdades, mas interesses, que elas valem em função destes e que são sustentadas sobretudo enquanto possam ser colocadas a serviço do grupo que as proclama. O calvário do idealista consiste em ver o ideal invertido, a verdadeira finalidade reduzida pelo meio para al­cançar o objetivo oposto; o anjo lançado no pântano de cabeça pa­ra baixo. Ter lutado toda a vida para afirmar um ideal e encontrar apenas indiferença e exploração! Ser sincero e não poder falar de Cristo sem ter de se misturar e se ver confundido com uma multi­dão de exploradores falando em seu nome! Oferecer o fruto do pró­prio tormento criativo e vê-lo esmagado! Para a própria paixão da ascese não encontrar outra resposta senão o cálculo utilitário! Que­rer trabalhar para o templo de Deus e lá encontrar os mercadores! Detestar o dinheiro e chocar-se com indivíduos que andam em bus­ca dele! Ver Cristo enganado a cada passo, o seu sacrifício embor­cado, colocado a serviço de interesses humanos, o seu pensamento desfigurado, o seu amor dilacerado pelos seus representantes e se­guidores! Eis o tormento do homem espiritual.
Será sempre necessário reduzir o ideal a uma religião-jau­la, na qual os seguidores estejam submetidos à força da disciplina, dada pela psicologia da sua utilidade ou dano, ao sistema policial de sanções, seja prêmio, seja pena? Mas, então, onde está a religião espontânea e consciente à qual se possa aderir livre e sinceramente? Pobre espírito reduzido a tão pouco e preso em cadeias! Que prisão é esta! Mas como permitir a liberdade a seres que não têm consci­ência da verdade e sentido natural de ordem e disciplina? Chegou-se ao ponto de ver o grande amor de Cristo reduzido e não po­dendo ser aplicado na Terra senão na forma de terror do inferno, e a bondade de Deus transformada num tribunal de onde emanavam apenas condenações. Pobre Cristo! Por maior que seja a Sua felicidade na glória dos céus, como poderá Ele não se entristecer ao ver quão pouco ajudou o seu martírio, ou que a sua paixão e sacrifício dei­xaram escancaradas as portas do inferno? Ou como Deus, não obs­tante a descida do Filho, tenha sido impotente para as fechar? Pa­ra que serve a religião neste mundo se, como sucede com todas as leis, é reduzida à arte de se lhe escapar para não ser cumprida?
Eis que o exemplo nos vem do caso maior. Como se pode pretender que, num caso muito menor, como é o da Obra. Não se repita a mesma lei que regula o fenômeno da descida dos ideais? Esta é a roupagem que devem vestir quando vem ao mundo, este é o tipo de leis a que eles devem sujeitar-se. Então, a liberdade de­ve tornar-se obrigação, a convicção ser substituída pelo cálculo, a adesão espontânea reduzir-se a sistema policialesco, o Amor precipitar-se numa prisão. Mas compreende-se que isto seja natural, quan­do se sabe que a descida dos ideais para eles significa, como se dis­se, um retrocesso num plano de vida inferior, uma degradação bio­lógica, o que implica que eles sejam sujeitos a um processo de cor­rupção. Tudo isso faz parte do fenômeno e envolve também o idea­lista, que o incorpora e o vive  Isto constitui o seu sacrifício ne­cessário para que, através dele, a animalidade humana possa entrar em contato com algo superior e assim progredir. Eis o que custa aos mais adiantados a ascensão dos menos avançados, ao evoluído, o aperfeiçoamento do involuído. Este é o escopo e o sonho do idea­lista e não a glória do mundo, a qual, logo que este emerge, lhe é invejada, julgando que ele se quisesse fazer chefe de grupo para se tornar poderoso e comandar. E, se ele declara quanto seja absurda tal atitude, poucos acreditam, imaginando tratar-se de um modo de esconder as verdadeiras intenções, assim a comum forma mental está longe de conceber a vida daquela maneira.
Mas deverá tudo parar neste ponto e, após tão longo ca­minho, não se resolver com uma conclusão mais digna? Não é pos­sível que a negatividade do ambiente ao qual a semente desceu te­nha o poder de vencer a positividade de que esta é constituída. A parte que aguarda o instrumento, enquanto assiste ao desenvolvi­mento do fenômeno, envolvido na lei deste, que quer o seu sacri­fício (Cristo ensina) esta parte é só uma: O sofrimento! Este é a sua contribuição. O fenômeno, enquanto movimento, não termina aí, por­que, sendo feito de constante transformismo, continua a desenvolver-se. Por meio do esforço do instrumento uma semente desceu à Terra e aí jaz viva, como um concentrado de energia explosiva trazida consi­go de planos superiores, energia que ela contém fechada em si mes­ma e que quer irradiar ao novo ambiente. A semente é uma força. Carregada de dinamismo criador, ela desceu ao terreno que a acolheu para que pudesse tornar-se árvore Esta é a vontade da semen­te. E ela está carregada da potência e sapiência necessárias para pô-la em movimento. Entretanto, está escondida no terreno e espera em silêncio. Na superfície passam nevascas e tempestades, calor e frio, chuvas e ventos A semente silencia e espera que chegue a sua hora  Ninguém a vê  Assim ninguém se aproxima, e a voracidade do próximo não perturba o seu trabalho interior. Liquidado o ins­trumento, —  que por ser um homem, dá aos seus semelhantes a ilusão de ser o expoente principal, —  no exterior não fica mais nada. No entanto, aquilo que não se vê trabalhou com a íntima e secreta atividade com que a vida costuma operar e com a qual ela gera as suas formas externas.
         Então, quando o idealista tiver cumprido a sua função e morrido quando todos os assaltos contra o ideal se esgotarem — que. na realidade, foram resolvidos somente com dano para aqueles sobre os quais recaíram — quando tudo parecer já sepultado no pas­sado, então, numa manhã de primavera, no momento azado, des­pontará do segredo da terra um broto que começara a crescer. Nes­te instante, a onda do fenômeno, depois de ter sido obrigada a imer­gir na Terra, começa a subir em direção ao Alto, seguindo a sua na­tureza ascensional.  A positividade do princípio genético que se transfundiu na semente toma a dianteira sobre a negatividade do plano inferior ao qual aquele princípio desceu e nele atua como impulso de correção, arrastando consigo para o Alto — e assim re­dimindo — os elementos que encontrou de tipo AS. Deste modo, a semente cresce sempre mais e o ideal cumpre a sua função. A semente por fim torna-se árvore e produz os seus frutos. Realiza-se todo o fenômeno e a finalidade para a qual ele nasceu é alcançada; o seu desenvolvimento completou-se com a realização do plano pre­estabelecido, segundo o qual, desde o início, tudo aconteceu.
Vê-se, então, que toda a tentativa de destruição do ideal caminhou no vazio e que ele soube superar todos os obstáculos. Isto, de resto, é natural que suceda, porque é conseqüência da sua natureza de tipo S, o que fatalmente o torna destinado a vencer tudo aquilo que é inferior, modelo AS  O mecanismo da evolução é tão maravilhosamente concebido que, apesar dos obstáculos, tudo termina bem. Estes contribuem para isso, realizando apenas a ne­cessária função de resistência. É assim que o mal, em última análi­se, trabalha a serviço do bem. Profunda verdade que Goethe faz Mefistófeles enunciar, quando afirma: "Eu sou o espírito que pro­cura sempre o mal e que produz o bem”. Isto pode pare­cer uma peça de que Deus prega a Satanás, mas, na realidade, é a par­tida que Satanás, dada a sua natureza emborcada, por ele próprio desejada, não pode deixar de pregar a si mesmo. Não obstante todas as resistências é a vida que vence a morte, o espírito que vence a matéria, o S que por fim vence o AS. Isto porque só Deus é o senhor de todos os fenômenos, conduzindo-os para onde quer. Ele é o último termo que todos devem alcançar, porque são feitos para se resolverem Nele, que é o supremo e definitivo vencedor de tudo.

Livro:Um Destino seguindo Cristo
Autor: Pietro Ubaldi: Tradução Manoel Emygdio da silva

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