No desempenho da sua função, o Centro Espírita é,
sobretudo, um centro de serviços ao próximo, no plano propriamente humano e no
plano espiritual. O ensino evangélico puro, as preces e os passes, o trabalho
de doutrinação representa um esforço permanente de esclarecimento e orientação
de espíritos sofredores e de suas vítimas humana que geralmente são comparsas
necessitados da mesma assistência. Muitas criaturas perguntam se os espíritas
não são pretensiosos e orgulhosos, ao se julgarem capazes de esclarecer
espíritos desencarnados. Acham que esse é um serviço dos Espíritos Superiores e
não dos homens. Chegam a fazer cálculos para demonstrar aos espíritas que esse
trabalho é em vão, pois o número de espíritos que podem assistir em suas
sessões é diminuto. Esquecem-se de que toda atividade esclarecedora, em
qualquer campo, vale mais pela sua possibilidade de propagação. A dinâmica da
comunicação é o principal fator da eficiência nesses casos. São muitos os exemplos
históricos nesse sentido, mas nenhum é mais claro que o de Jesus, servindo-se
de um pequeno grupo de pessoas para modificar com seus ensinos, mesmo
deturpados pela ignorância, a face do mundo.
Nas sessões espíritas não se pretende abranger todos os
espíritos necessitados – o que seria impossível – mas cuidar daqueles que estão
mais ligados a nós. A doutrinação de um espírito perturbado é quase sempre o
pagamento de uma dívida nossa para aquele espírito. Se o prejudicamos ontem,
hoje o socorremos. E ele, socorrido, torna-se um novo assistente da grande
batalha pelo esclarecimento geral. Cada espírito que conquistamos para o bem
representa um novo impulso na luta, o acréscimo de mais um companheiro, um
aumento do bem. Devemos sempre lembrar que o bem é contagiante. Se libertarmos
uma vítima da obsessão na Terra, libertamos outra no mundo espiritual que nos
cerca. Essa multiplicação se processa num crescendo, atingindo progressivamente
a centenas de pessoas e espíritos.
Alegam alguns que os espíritos perturbados são assistidos
no próprio plano espiritual. Mas Jesus, por acaso, deixou de assistir aos
espíritos necessitados, aqui mesmo, na Terra? Pelo contrário, os assistiu e
mandou ainda os seus discípulos fazerem o mesmo. A experiência espírita
confirma o acerto do atendimento terreno, demonstrando cientificamente que os
espíritos desencarnados, mas ainda muito apegados às condições da vida
material, precisam de assistência mediúnica para se livrar desse apego. Nas
sessões, como observou o sábio francês Gustavo Geley, a emanação de ectoplasma
forma um ambiente favorável às relações dos espíritos com os homens. Nesse
ambiente mediúnico os espíritos apegados à matéria sentem a impressão de maior
segurança, como se estivessem novamente encarnados. Muitas vezes, nas sessões, Espíritos
orientadores serve-se de um médium para doutrinar mais facilmente essas
entidades confusas. Isso confirma a dificuldade, acentuada por Kardec, que
Espíritos mais evoluídos encontram para esclarecer os inferiores no plano
espiritual. As sessões espíritas de doutrinação e desobsessão provaram sua
eficácia desde Kardec até os nossos dias, enquanto as opiniões contrárias não
se firmam senão em opiniões pessoais, palpites deduzidos de falsos raciocínios,
por falta de real conhecimento desse grave problema.
Os que hoje procuram diminuir o valor e a importância
dessas sessões nos Centros não passam de palpiteiros. Os Centros Espíritas bem
organizados e bem orientados não se deixam levar por esses palpites, pois possuem
suficiente experiência nesse campo altamente melindroso de suas atividades
doutrinárias. Da mesma maneira, os que pretendem que as sessões dos Centros
sejam dedicadas apenas às manifestações de Espíritos Superiores, revelam
egoísmo e falta de compreensão doutrinária. A parte mais importante e
necessária das atividades mediúnicas, mormente em nossos dias, é precisamente a
da prática doutrinária da desobsessão. Trabalhar nesse setor é dever constante
dos médiuns esclarecidos e dedicados ao bem do próximo. O estado de confusão a
que chegou a Psicoterapêutica em nossos dias, e particularmente a Psiquiatria,
exige redobrado esforço dos Centros no trabalho de doutrinação e de
desobsessão. Milhões de vítimas, no mundo inteiro, clamam pelo socorro de
métodos mais eficientes de cura psicoterapêutica, que só o Espiritismo pode
oferecer, graças às suas experiências de mais de dois séculos nesse campo. O
Centro Espírita guarda esse acervo maravilhoso em sua tradição e não pode recuar
diante dos sofismas da atualidade trágica e pretensiosa.
As comunicações dos Espíritos Superiores são dadas no
momento preciso, mesmo em meio do aparente tumulto das sessões de desobsessão. É
muito agradável recebermos comunicações elevadas de Espíritos Superiores, mas
só as merecemos depois de cuidarmos com atenção e abnegação dos Espíritos
Sofredores. Quando recusamos essas oportunidades redentoras os Superiores se
afastam e o campo fica aberto aos mistificadores, como o sabem, muitas vezes
por duras experiências próprias, os que procuram acomodar-se na bênção sem
merecimento.
Os serviços assistenciais à pobreza, prestados pelos
Centros Espíritas, constituem a contribuição espírita para o desenvolvimento de
nova mentalidade social em nosso mundo egoísta. Não basta semear ideias
fraternistas entre os homens; é necessário concretizá-las em atos pessoais e
sinceros. O Centro Espírita funciona como um transformador de ideias fraternas
em correntes de energias ativas nesses planos. Em suas turbinas invisíveis as ideias
se transformam em atos de amor e de dedicação ao próximo. Há os que combate à
esmola, a doação gratuita de ajuda material aos necessitados. Querem a criação
de organismos sociais capazes de modificar o panorama da miséria com recursos
de ensino e encaminhamento dos infelizes a situações melhores. Isso é o ideal,
e muitos Centros e outras formas de instituições espíritas conseguiram fazê-lo.
Mas quando escasseiam recursos e meio de se fazer isso, é justo que deixemos os
pobres à mingua na sua impotência? Há misérias tão cruciantes que têm de ser
atendidas agora, neste momento. Negar auxílio, nesses casos, a pretexto de que
estamos sonhando com medidas melhores é falta de caridade, comodismo disfarçado
em idealismo superior. O Centro Espírita é instrumento de ação imediata e age
de acordo com as necessidades urgentes. Sem o atendimento a essas necessidades,
as vítimas da injustiça social não poderão esperar as brilhantes realizações
futuras.
Como ensinou Kardec, devemos esperar que as utopias se tornem
realidades, para depois as aceitarmos. As pessoas que censuram esse esforço de
ajuda aos necessitados, defendendo ideais de reforma social, alienam-se da
cruciante realidade em que vegetam os que não dispõem de meios para o próprio
sustento. Geralmente esses ideólogos de um mundo melhor que deve surgir por
milagre ou por abalos sociais, acusam os espíritas de alienados, comodistas e
divorciados da realidade, quando, entretanto, são eles que se alienam. O Centro
Espírita não pode se entregar, pois aos seus princípios. Seu objetivo é o bem
de todos e não o desta ou daquela camada da população. A evolução social
depende da evolução dos homens, que constituem e formam os organismos sociais. É
pelo exemplo de fraternidade, e não pela violência, que podemos melhorar o
mundo. A Revolução Cristã não se processou a golpes de violência, mas ao custo
de sacrifício e abnegação, de profundo respeito pela criatura humana. Não
importa se essa criatura é um potentado ou um mendigo. A Revolução Espírita,
que é filha e herdeira da Revolução Cristã, não se faz ao poder precário e
ilusório das armas destruidoras, mas ao ritmo das modificações nas consciências
dos homens, na busca de paz e compreensão para que as atrocidades desapareçam
da Terra. Não podemos apagar fogo com gasolina, nem consertar o mundo com a
substituição de castas no poder.
Os serviços de assistência ao próximo só podem retardar o
avanço da violência, ao mesmo tempo em que aceleram o desenvolvimento moral e
espiritual da Humanidade. É desse desenvolvimento, e exclusivamente dele, que
poderá surgir na Terra uma civilização superior. O Centro Espírita não pode
trocar os seus serviços de amor e fraternidade pelo acirramento das lutas entre
grupos e classes. Ele apela aos valores da inteligência, que através da razão equilibrada
e da compreensão profunda das necessidades humanas, conduzem os homens à
solução e não apenas as tentativas de maiores conflitos.
Um espírita não pode pensar apenas em termos da realidade
imediata. A concepção dialética do Espiritismo não se funda no exame das
contradições superficiais do mecanismo social. Aprofunda-se no exame do dinamismo
complexo das ações e reações dos indivíduos e dos grupos sociais que estruturam
a sociedade. Reduzir toda essa complexidade às manifestações efêmeras dos estágios
evolutivos de uma sociedade é negar ao homem a possibilidade de lutar para
compreender os problemas com que se defronta no processo existencial. Viver e
existir são duas possibilidades do ser que se projeta na encarnação. Nos planos
inferiores dos reinos mineral e vegetal a vida é movimento e sensação, mas nos
estágios intermediários da animalidade se converte em conquista e domínio,
elevando-se no plano hominal à consciência de si mesma da busca da
transcendência. Nesse plano, o ser humano assume a responsabilidade da busca e
só existe realmente superando as fases inconscientes do seu desenvolvimento, na
medida exata em que sabe o que quer e porque o quer.
Esse “o que” e esse “porque” têm então de superar-se a si
mesmo na conquista do “como”, ou seja: de que maneira poderá continuar a
elevar-se. Assim como a conquista material do plano animal se transforma na conquista
do conhecimento de si mesmo e do seu destino transcendente, todas as demais
atividades do homem levam à consciência, o que dá ao ser a sua unidade.
Consciente dessa unidade interna, o homem supera então a multiplicidade da sua
própria estrutura e do mundo. Revela-se nele a centelha divina da sua origem
espiritual. Ele compreende que é espírito e que esse espírito não pode
desfazer-se com a morte, pois a sua essência é indestrutível e eterna. Esse é o
momento espírita da redenção, em que o espírita capta a sua imortalidade em sua
própria consciência e muda a maneira de ser diante do mundo ilusório e transitório.
Desse momento em diante o espírito se integra no Centro
Espírita, liga-se a ele, não como um serviçal, mas como o próprio serviço. A
multiplicidade dos serviços do Centro adquire em sua consciência a mesma
unidade conquistada por esta. Ao mesmo tempo, a visão da unidade existencial, em
que todos os serviços se fundem no serviço único da Humanidade, desperta nele o
sentimento e a compreensão do seu dever único – servir a Deus no serviço ao
próximo.
Tudo o que ele fizer dali por diante, será um fazer
universal, não ligado a ele ou ao Centro, não confinado na sua pessoa e no seu
grupo, nem mesmo restrito ao meio espírita, mas naturalmente extensivo a toda a
Humanidade. Os pioneiros do Espiritismo, a partir de Kardec, todas as grandes
figuras que souberam dar-se ao Espiritismo ao invés de apossar-se dele, fizeram
essa caminhada redentora, passaram por gigantesca odisseia espiritual, temperando-se
nas encarnações sucessivas para reimplantar na Terra a semeadura do Cristo, na
ressurreição do seu Evangelho, da sua Boa Nova em “espírito e verdade”.
Como se vê, o Centro Espírita é realmente um centro de
convergência de toda a dinâmica doutrinária. Nele iniciam-se os neófitos,
revelam-se os médiuns, comunicam-se o Espírito, educam-se crianças e adultos,
libertam-se os obsedados, estuda-se a Doutrina em seus aspectos teóricos e
práticos, promove-se a assistência social a todos os necessitados, sem imposições
e discriminações, cultiva-se a fraternidade pura que abre os portais do Futuro.
A coordenação das atividades de um Centro Espírita bem orientado é praticamente
automática, resultando do clima fraterno em que todos se sentem como em
família, ajudando-se mutuamente. É nessa comunhão de esforços que os espíritas
podem antecipar as realizações mais fecundas. Mas se no Centro se infiltra o
espírito mesquinho das intrigas, das pretensões descabidas, das aversões
inferiores, os dirigentes necessitam de muita paciência e tolerância para
quebrar as arestas e restabelecer a atmosfera espiritual. Nunca, porém, deverão
renunciar aos seus deveres, o que seria uma deserção, a menos que o façam
reconhecendo humildemente os seus erros e continuando no Centro para servir
melhor, em cargos inferiores ou mesmo sem cargos. Nada mais triste do que um
Centro Espírita em que alguns se julgam mestres dos outros, quando na verdade
ninguém sabe nada e todos deviam colocar-se na posição exata de aprendizes. Os
serviços mais urgentes de cada Centro são os de instrução doutrinária de velhos
e novos adeptos, tanto uns como outros carentes de conhecimento doutrinário.
Bem executado esse serviço, todos os demais serão feitos com mais facilidade.
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Herculano
Pires
O
Centro Espírita
Dedicatória
Para
Dadício de Oliveira Baulet
Ciro Milton de Abreu
Que fundaram em Cerqueira César, na Sorocabana, o Centro Espírita Humberto de Campos,
Logo após a morte do grande escritor, pouco depois
ressuscitado na psicografia de
Francisco
Cândido Xavier.
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