quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Pavor da morte


                   
                 Francisco Cândido Xavier           


  
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                   Pavor da morte
Numerosas explicações do orientador atendiam-me às indagações
naturais; no entanto, restava aprender alguma coisa. Por
que motivo se reuniam ali tantos desencarnados? Já que recebiam
assistência espiritual, não poderiam congregar-se em lugares
igualmente espirituais?
Respeitosamente, interroguei Aniceto nesse sentido.
– De fato, André – respondeu o generoso mentor –, a maioria
dos desencarnados recebe esclarecimentos justos em nossa esfera
de ação. Você mesmo, nos primórdios da nova experiência espiritual,
não foi conduzido ao ambiente de nossos amigos corporificados
para o necessário encaminhamento. Grande número de
criaturas, porém, na passagem para cá, sentem-se possuídas de
“doentia saudade do agrupamento”, como acontece, noutro plano
de evolução, aos animais, quando sentem a mortal “saudade do
rebanho”. Para fortalecer as possibilidades de adaptação dos
desencarnados dessa ordem ao novo “habitat”, o serviço de socorro
é mais eficiente, ao contacto das forças magnéticas dos irmãos
que ainda se encontram envolvidos nos círculos carnais. Esta sala,
em momentos como este, funciona como grande incubadora de
energias psíquicas, para os serviços de aclimação de certas organizações
espirituais à vida nova.
E, designando a grande assembléia de necessitados, continuou:
– Os irmãos, nas condições a que me refiro, ouvem-nos a voz,
consolam-se com o nosso auxilio, mas o calor humano está cheio
dum magnetismo de teor mais significativo, para eles. Com semelhante
contacto, experimentam o despertar de forças novas. Por
isso, o trabalho de cooperação, em templos desta espécie, oferece
proporções que você, por agora, não conseguiria imaginar. Não
observou os preguiçosos, os dorminhocos e invigilantes que vieram
colher benefícios nesta casa? Pois eles também deram alguma
coisa de si... Deram calor magnético, irradiações vitais proveitosas
aos benfeitores deste santuário doméstico, que manipulam os
elementos dessa natureza, distribuindo-os em valiosas combinações
fluídicas às entidades combalidas e inadaptadas.
E, sorrindo, concluiu, bondoso:
– Tudo tem algum proveito, André. Nosso Pai nada cria em
vão.
Terminada a reunião com benefícios gerais, que não me cabe
descrever pormenorizadamente, atendeu Aniceto ao facultativo
desejoso de aproveitar-lhe o concurso nobre, junto aos clientes.
– Grande número de vezes – exclamou o receitista do grupo
de Dona Isabel, como a prestar informações a Vicente e a mim –
não só ministramos medicação aos corpos doentes, mas também
orientamos os desencarnados que, no curso da moléstia, se encontram
sob nossa assistência.
– E são sempre muitos? – indaguei.
– Número crescente – elucidou, atencioso. Há ocasiões em
que contamos com a cooperação de amigos ou parentes espirituais
dos enfermos; mas, na maioria dos casos, somos forçados a agir
por nós mesmos. Felizmente, quase nunca estamos sem auxiliares
dedicados e ativos. Há companheiros que se consagram a cuidar
de tuberculosos, cegos, aleijados, leprosos, perturbados e moribundos,
isoladamente. São eles nossos devotados colaboradores
em todas as situações.
Puséramo-nos a caminho e, a breves minutos, estacionávamos
diante dum edifício de vastas proporções.
O colega, gentil, conduziu-nos ao interior de espaçoso necrotério,
onde defrontamos um quadro interessante, O cadáver de
uma jovem, de menos de trinta anos, ali jazia gelado e rígido,
tendo a seu lado uma entidade masculina, em atitude de zelo. Com
assombro, notei que a desencarnada estava unida aos despojos.
Parecia recolhida a si mesma, sob forte impressão de terror. Cerrava
as pálpebras, deliberadamente, receosa de olhar em torno.
– Terminou o processo de desligamento dos laços fisiológicos
– exclamou o facultativo atento –, mas a pobrezinha há seis horas
que está dominada por terrível pavor.
E apontando o cavalheiro desencarnado, que permanecia junto
dela, cuidadoso, o receitista esclareceu:
– Aquele é o noivo que a espera, há muito.
Aproximamo-nos um tanto e ouvimo-lo exclamar carinhosamente:
– Cremilda! Cremilda! vem! abandona as vestes rotas. Fiz tudo
para que não sofresse mais... Nossa casinha te aguarda, cheia
de amor e luz!...
A jovem, todavia, cerrava os olhos, demonstrando não querer
vê-lo. Notava-se, perfeitamente, que seu organismo espiritual
permanecia totalmente desligado do vaso físico, mas a pobrezinha
continuava estendida, copiando a posição cadavérica, tomada de
infinito horror.
Aniceto, que tudo pareceu compreender num abrir e fechar de
olhos, fez leve sinal ao rapaz desencarnado, que se aproximou
comovido.
– É preciso atendê-la doutro modo – disse o nosso orientador,
resoluto –, vejo que a pobrezinha não dormiu no desprendimento
e mostra-se amedrontada por falta de preparação espiritual. Não
convém que o amigo se apresente a ela já, já... Não obstante o
amor que lhe consagra, ela não poderia revê-lo sem terrível comoção,
neste instante em que a mente lhe flutua sem rumo
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– Sim – considerou ele, tristemente –, há seis horas chamo-a
sem cessar, identificando-lhe o terror.
Redargüiu Aniceto, conselheiral:
– Ausência de preparação religiosa, meu irmão. Ela dormirá,
porém, e, tão logo consiga repouso, entregá-la-emos aos seus
cuidados. Por enquanto, conserve-se a alguma distância.
E fazendo-se acompanhar do facultativo, que assistira espiritualmente
a jovem nos últimos dias, aproximou-se da recémdesencarnada,
falando com inflexão paternal:
– Vamos, Cremilda, ao novo tratamento.
Ouvindo-o, a moça abriu os olhos espantadiços e exclamou:
– Ah, doutor, graças a Deus! que pesadelo horrível! Sentiame
no reino dos mortos, ouvindo meu noivo, falecido há anos,
chamar-me para a Eternidade!...
– Não há morte, minha filha! – objetou Aniceto, afetuoso –
creia na vida, na vida eterna, profunda, vitoriosa!
– É o senhor o novo médico? – indagou, confortada.
– Sim, fui chamado para aplicar-lhe alguns recursos em bases
magnéticas. Torna-se indispensável que durma e descanse.
– É verdade... – tornou ela de modo comovente –, estou muito
cansada, necessitando de repouso...
Recomendou-nos o instrutor, em voz baixa, prestássemos auxílio,
em atitude íntima de oração, e, depois de conservar-se em
silêncio por instantes, ministrou-lhe o passe reconfortador. A
jovem dormiu quase imediatamente.
Deslocou-a Aniceto, afastando-a dos despojos, com o zelo
amoroso dum pai, e, chamando o noivo reconhecido, entregou-a
carinhosamente.
– Agora, poderá encaminhá-la, meu irmão.

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O rapaz agradeceu com lágrimas de júbilo e vi-o retirar-se de
semblante iluminado, utilizando a volitação, a carregar consigo o
fardo suave do seu amor.
Nosso mentor fixou um gesto expressivo e falou:
– Pela bondade natural do coração e pelo espontâneo cultivo
da virtude, não precisará ela de provas purgatoriais. É de lamentar,
contudo, não se tivesse preparado na educação religiosa dos
pensamentos. Em breve, porém, ter-se-á adaptado à vida nova. Os
bons não encontram obstáculos insuperáveis.
E, desejoso talvez de consubstanciar a síntese da lição, rematou:
– Como vêem, a idéia da morte não serve para aliviar, curar
ou edificar verdadeiramente. É necessário difundir a idéia da vida
vitoriosa. Aliás, o Evangelho já nos ensina, há muitos séculos, que
Deus não é Deus de mortos e, sim, o Pai das criaturas que vivem
para sempre.

Francisco Cândido Xavier - Os Mensageiros - pelo Espírito André Luiz: Fonte: www.autoresespiritasclassicos.com

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